quinta-feira, 1 de junho de 2023

Carta para meu neto

 


Meu querido menino

Sabe, meu neto, na última hora decidi passar pela serra. Você sabe do tanto que gosto das estradinhas no meio da serra. Não é? Mas não me pergunte por quê. Seu pai preferiria sempre as rodovias dizendo que elas são mais rápidas. Só que eu nunca tenho pressa. Já havia feito, na minha cabeça, todo o trajeto passando por Betim, Contagem (por Figusgu*, lembra?) e por Belo Horizonte. Era aniversário da Tia Dadaça, em Lafaiete, e eu queria dar um abraço nela.

A estradinha estava mais linda ainda, pois estava com asfalto novo. Olhei no marcador da quilometragem, seriam 43 km até a BR 040, bem ali na Lagoa dos Ingleses. Desta vez não prestei atenção na beleza no entorno de todo o trecho. Meu nariz, este sim, foi invadido pelo cheiro da poeira nas árvores. Outono é assim mesmo. Folhas secas e empoeiradas. Lembra-se da neblina na serra bem atrás da sua casa?

Mas quero te contar o que houve quando cheguei ao trevo para Ouro Branco. O carro deu uma rabanada pra esquerda e quase saiu da BR. Segurei firme no volante. Acho que o carro também estava com saudades das feirinhas naquela avenida bonita perto da sua casa. Lembra que íamos lá pra comer mingau de milho verde com muita canela? Você ainda bebia aqueles sucos deliciosos feitos na hora para você. Lembra?

Mas menino, você nem imagina o que aconteceu logo depois! O carro começou a andar sozinho. Entrou num caminho quando viu uma placa onde estava escrito assim: “N.Z. Kiwi logo à frente”. E logo à frente tinha uma nave espacial. Lá de dentro saiu um homenzinho muito esquisito e me chamou para entrar na nave. E eu fui. Ele ligou os botões, acelerou as turbinas e viajamos pelos espaços. Parece que dormi. Quando acordei a nave estava parada no ar, o homenzinho me chamou e me apontou com seu dedo vermelho reluzente lá embaixo.

E lá embaixo estava você brincando com seus novos amiguinhos. Dava cada gargalhada que eu, mesmo bem surda, ouvia de dentro daquela coisa cheia de barafundas piscando. Fiquei muito feliz de ver você sorrindo. E como chamam seus novos amigos? Seu pai me contou que você tem um amigo chines que ouviu a música do carcará e saiu gritando "carcará!". Diz para ele sobre esse nosso pássaro das campinas chamado carcará. Esqueci que ele não sabe falar ingles.


Então decidi que irei ver você nesta ilha famosa. E me aguarde porque em breve chegarei montado nas asas de algum avião. Ou, quem sabe, meu carro velho resolve ir também. Assim iremos voando entre as estrelas. A saudade é tanta que irei de qualquer jeito até montada num camelo.

Abraços da vovó Zarinha.

*Figusgu é o nome de uma cidade imaginária de gatos criada por meu neto. Ela fica próxima a Contagem.

Fotografia: Casa do marinheiro, Lavras Novas, Ouro Preto, Minas Gerais

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