quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Crônica: Antes da chuva

                                                        


Era um domingo como tantos outros em que as famílias se reúnem para o almoço feito com carinho e muito sabor. Como tantas vezes acontece, alguém colocou fogo para aplacar a “sujeira” de folhas e galhos secos. O calor intenso do final de semana e os inclementes raios solares foram os combustíveis perfeitos para que o pequeno e improvável fogo se espalhasse pela mata próxima.

À noite já podíamos sentir os olhos ressecados e o ar com cheiro de fumaça. Vizinhos alertando para o fogo esparramando e já solicitando presença do corpo de bombeiros que, com a alta demanda por toda a região metropolitana, não respondeu aos vários pedidos de socorro.

Na segunda-feira o fogo pulava como criança, ia de um lugar a outro com a mesma agilidade e esperteza infantis. Vizinhos alarmados davam notícias, pediam ajuda para impedir a chegada do fogo até as casas. Nesta hora a ajuda de todos foi imprescindível. A união dos moradores foi abençoada.

Os poderes públicos, com a prefeita, com nossa vereadora, com a Defesa civil e o corpo de bombeiros, iam e vinham, literalmente, apagando fogo aqui e acolá. Meus olhos só viam. Mas meu coração, desesperado, emudecia. Lia e ouvia as mensagens do grupo de whatsApp que nunca fora de tanta utilidade. Queria estar junto. Reconheço minha inércia. Paralisei-me. Confesso que senti inveja de todos que lutaram contra o fogo.

E o fogo comia tudo com avidez, ele estava deveras, esfomeado. Pássaros voavam desnorteados. Tucanos vieram beber água na minha bacia. O vento da noite de segunda-feira espalhou ainda mais as línguas flamejantes. Dormir, nem pensar. O canto do fogo, como se tagarelasse, estalava nos nossos ouvidos. Toalhas no chão encharcadas de água para apaziguar a rarefação do ar.

Na terça-feira o fogo comedor chegou à serra que divide nossa Mário Campos com Brumadinho. Então chegaram as ajudas especializadas. Helicópteros e um avião amarelo faziam seus trabalhos. Mapeavam, apagavam, voavam para lá e pra cá. O fogo implacável teimava em resistir.

Num determinado momento uma moradora nos falava aflita que uma árvore bem próxima à sua casa, havia pegado fogo sem mais nem menos, "como se estivesse caindo fogo do céu".

Não tenho dúvidas do tanto que aprendemos com esta tragédia. Fogo mata. Folhas e galhos secos viram estercos se misturados a terra. Lembro, mais uma vez, do nosso filósofo e ambientalista, Airton Krenak, quando diz que fazemos parte da natureza, somos da natureza como a flora, pois somos do reino animal. Se matarmos a natureza, estamos fadados a exterminar com nossa espécie. Ou seja, deixaremos de existir.

Finalizando, proponho à prefeita municipal, Andresa Rodrigues, à câmara municipal, aqui representada pela vereadora Sammantta Bleme, e aos vários líderes da nossa região, a implantação de um grande projeto de reflorestamento em parceria com institutos e universidades federais, com as escolas do município e com a comunidade em geral.

Que tal transformamos a trágica experiência do fogo num belo projeto? Que tal o pequeno município de Mário Campos tornar-se exemplo para Minas e para o Brasil no reflorestamento de áreas desvastadas pelo fogo?

E a chuva chegou na quarta-feira.
“Abensonhada” chuva (*).



(manhã de quinta-feira, dia 09/10/2025

Observação: crônica publicada originalmente na Página "Salve o Funil" no meu perfil do facebook.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Poesia: Menininha de Brás Pires

                                             

Nasceu Roszarinha

Em Brás Pires, no meio da serra

Casa feita de barro, com cheiro de mato

Um lugar cheio de esperança e afeto


Cresceu numa cidadezinha

vendo sua mãe na cozinha

ouvindo o sino da igreja tocar

e seu padre Zizinho a cantarolar


Menina curiosa, autônoma, preciosa

entre a dor, o cheiro e a flor

Aprende que a vida se faz com amor



Biografia:

Maria do Rosário Nogueira Rivelli nasceu em Brás Pires em julho de 1957, na cidade de Brás Pires, M.G. Aos seis anos mudou com a família para a cidade de Comselheiro Lafaiete, de onde guarda muitas lembranças de sua infância. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora -UFJF em 1981 e fez residênsia em psiquiatria no Instituto Raul Soares -FHEMIG, na capital, Belo Horizonte. Transferiu-se para Betim em 1987 onde criou seus tres filhos e, desde então, tem se dedicado à saúde mental pública e ao seu consultório. Depois de trinta anos morando em Betim retornou-se para Conselheiro Lafaiete em busca de ares familiares. Atualmente vem se dedicando ao seu blog Contos de Rivelli e às Oficinas de Escrita em Belo Horizonte, ao incessante estudo da psicanálise e a receber seu neto, Dudu, para os almoços de domingo.

Autora: Maria Eduarda ( 15 anos)

Observação: Maria Eduarda escreveu a poesia como trabalho escolar. Havia ido, com sua avó, minha prima, no lançamento do meu último livro "Em nome da mãe" - inadequado para sua idade. Na ocasião lhe presenteei com meu primeiro livro "Rosa nos tempos". A avó me relatou que ela leu o livro para um trabalho da escola, escreveu a poesia e minha biografia. 
Muito obrigada Maria Eduarda. Adorei. Sucessos sempre.


                                            Floração dos nossos ipês



                                                                         Cicas
         


                                                         Flores do limoeiro

Fotografias: gentilmente cedidas por Eliane Cândido, fotos do seu jardim defronte  sua casa.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Um relato - Pelas ruas de Mário Campos, M.G.

                                    

Ontem comentei em uma postagem de um amigo gaúcho sobre a importância da educação na formação da consciência crítica do nosso povo.

Hoje, com uma lista de afazeres domésticos e pessoais, parei numa esquina para abraçar uma amiga. Eu tinha acabado de deixar uma sacola com sapatos, um tênis infantil e algumas peças de roupas para o varal solidário. Deixei a sacola sobre uma mesa improvisada.

Percebi quando um casal, que estava conversando por ali, caminhou em direção ao varal.
Reviraram o conteúdo.

Ele encontrou uma colcha colorida e saiu com ela debaixo do braço.

Ela encontrou um livro que eu havia esquecido lá dentro. Pegou o livro, sentou-se na beirada do meio fio e começou a ler ali mesmo.

Ganhei meu dia. Da próxima vez deixarei sacolas com livros.

25/09/2025


domingo, 21 de setembro de 2025

Crônica - Desabafo 2 - PEC da Bandidagem - Sem anistia

                           



Nada justifica minha não ida à belíssima Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, senão um constante boicote meu. Desde as aprovações, nas surdinas noturnas, da Câmara Federal da PEC das Blindagens/ bandidagem e da Anistia, tenho estado à flor da pele. Inimaginável o que os representantes do povo brasileiro fizeram para continuar legislando em causa própria. Defendendo o indefensável.

Numa noite nossos representantes, deputados federais, “o pior congresso federal de todos os tempos” aprovaram projetos de emendas constitucionais (PEC) que os eximem de quaisquer crimes e, noutra noite, aprovaram projetos de anistia.

Nos Estados Unidos, um destes “nossos representantes federais”, nosso Silvério dos Reis atual, trabalha diuturnamente contra o Brasil, trazendo enormes problemas nas relações diplomáticas e econômicas. Ele mente, cria “fake news”, faz terríveis ameaças e chora ao vivo, lágrimas de crocodilo.

Ontem chegou meu presente, uma camisa do Braspirense , time de futebol da minha querida terrinha natal, Brás Pires. Nas cores do Brasil, com a letra B bordada em negrito e, nas costas, meu sobrenome, RIVELLI com o número 13 abaixo. Seria com esta camisa que estaria entre os vários amigos, na contagiante alegria compartilhada, com chapéu de palha, bebendo muita água sobre o escaldante sol da capital mineira e cheia de emoções.

Pulei cedo da cama. Ainda muito indecisa à mesa do meu café da manhã. Nada justificaria eu não estar lá. Mesmo a distância que percorreria, sozinha no meu carro, até lá. Agora, assistindo a alegria da concentração em Salvador, digo a mim que não me perdoarei.

“Com fascista não se discute”, escuto um dos jornalistas dizer.

Da diretora de Faculdade de Medicina da Bahia, escuto “o basta formar médicos, é preciso muito mais do que só formar médicos” e regozijo-me com a certeza de ter sido uma profissional médica “muito mais do que só isto”.

“Eles destruíram a sede dos três poderes, vamos anistiar? Vejamos o que Trump está fazendo nos Estados Unidos cerceando os trabalhos jornalísticos", escuto do excelente cidadão José Dirceu.

Sob o pretexto da distância até a capital, sob o pretexto de ter que cuidar do meu quintal com novas mudas de embaúbas, pau-mulato e mais uma tamareira, além do meu jardim que a seca tem deixado abalado, não fui lá. Agora, fico aqui à frente da tela de meu notebook, assistindo às entrevistas de várias pessoas por todo país.

“Nós estamos vivendo momento de virada...” afirma de forma feliz a nossa grande Hidelgard Angel.

Nem a minha lesão grave lesão de pele seria um impedimento para eu estar no meio da multidão, bastaria muito filtro solar, blusas especiais e o meu novo e elegante chapéu de palha. Mas não fui lá. 

Uma amiga envia fotos dela com a familia na manisfestação e com filha grávida, no lindo barrigão de fora se lê "Palestina livre". Outra amiga avisa que está a caminho de lá com os amigos visitantes paraenses. 

Agora haja arrependimento. Em função do meu arrependimento, da minha “boa inveja” do povo na praça, decidi que não farei almoço. Estou demais emocionada para estar com a barriga ora grudada na pia, ora grudada no fogão, vou comer só pão.  Só quero curtir este dia histórico. Dia da árvore. Hoje estamos plantando árvores por todo o Brasil, árvores, fantásticas árvores que nos darão deliciosos frutos.

Manhã do dia 21 de setembro de 2025


 
Fotografias: feitas ainda agorinha por minhas filhas.


Observação: favor colocarem o nome no final do comentário caso queriam fazê-lo. Obrigada

domingo, 14 de setembro de 2025

Crônica: Desabafo



A metáfora da roseira de sua mãe, nos contada pela juíza Carmen Lúcia, foi o que me fez escrever sobre ontem, dia 11 de setembro. Sozinha diante da tela do meu notebook, acompanhei um tanto do que foi dito pelo STF. Obviamente que não suportei ouvir aquele que, como bem nos disse uma charge, “começou às 9 horas e acabou em 1964”. Diante do relato do dito cujo, pude sentir a tal vergonha alheia.

Ainda criança no fatídico dia 31 de março de 1964 não pude ir à escola. O prédio fora interditado. Outras raras lembranças daquela época me levam à carestia sofrida pelo povo brasileiro, me levam ao medo de sair às ruas, me levam à cena do meu pai “no pé do rádio” ouvindo as notícias e seu amor por JK. Mais tarde iria viver e entender o assombrado período do golpe militar enquanto estudante numa universidade pública, em Juiz de Fora. “Aquele cara era um infiltrado”, ainda escutamos colegas falarem de um jovem que aparecia entre nós.

Ontem, ansiosa com os afazeres domésticos, aniversário de uma filha no dia de hoje, entre um voto e outro, eu dividia comigo e uma taça de vinho, a alegria de ouvir e aprender tanto com nossos competentes juízes da mais alta corte do país.

Enquanto médica acompanhei, mesmo que de longe e aposentada, o sofrimento pela falta de O2 no Amazonas; chorei quando barraram a ajuda venezuelana. Senti-me ofendida quando a ciência fora negada. Odiei quando foram indicados medicamentos sabidamente ineficazes para a Covid 19. Chorei quando nossa fundação estadual de pesquisa, fabricante de medicamentos, 100% SUS, a FUNED – foi impedida pelo governador, que desconhecia a existência de tão importante Instituto de pesquisa, de iniciar a pesquisa para a fabricação da vacina para a Covid 19.

Fiquei indignada quando vi a troca de importante empresa petrolífera nacional por jóias sauditas.

Ficava indignada quando via os filhos do tal presidente do Brasil comprar mansões com dinheiro vivo levado em malas.

Escárnio é o nome disso. Eles debocharam de nós. E nós não perdoaremos.

Minha escrita é tão só um desabafo.

Obrigada STF, obrigada Polícia Federal, obrigada Procuradoria Geral da União, obrigada a todos e todas servidores que trabalharam para a efetivação da justiça.

Obrigada a nós, povo brasileiro, que sonhamos com esse dia.

Agora vou cuidar do meu jardim que, mesmo com esta seca danada, já começou a florir.


12/09/2025



Observação: 
-Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem.

Fotografia: Clarice, minha filha aniversariante e eu.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Poesia: Amor da lua cheia




 

Lá onde eu moro,
a lua cheia
nasce escondida detrás da serra.

Longe de casa,
neste final de tarde,
topei com a lua
que,
bem devagarinho,
subia ao céu
Parecia a me convidar
para ver seu esplendor

Então,
revestida do meu olhar,
ela se animou
Subiu ligeira,
também
a me olhar.

Foi então que
tornei-me encantada
e cheia,
Cheia do amor que, ora,
vem nascendo dentro de mim.

06/09/2025 (Bairro Primavera, Mário Campos, M.G.)

Fotografia: gentilmente cedida por Marcia Chagas, da janela de seu apartamento no Bairro Santa Teresa, BH. Na foto vemos as torres da Igreja de Santa Teresa.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crônica infantil - Carta para Eduardo, meu neto.

                            



Bom dia Dudu,

Como estão todos vocês ai? Fiquei sabendo que você já está voltando sozinho da escola, e de bicicleta! Deve  ser uma grande aventura! Quero que me conte como é voltar para casa sozinho em cima de duas rodas..

Dudu, como você sabe, tia Clarice e eu já voltamos da nossa viagem a Porto Seguro, mas, antes de falar dos nossos passeios por lá, quero falar do que passei dentro daquele trem que voa.

Eu havia entrado preocupada dentro da barriga daquele trem que sabe voar. Na pista por onde ele caminhavs, de repente, o bicho acelerou o passo, arrebitou o nariz, bateu asas e voou. Fechei meus olhos, apertei minha barriga e quase morri de medo.

Tinha hora que parecia que ele estava pulando nas nuvens. Fechei meus olhos de novo e pensei que eu estava montada num cavalo alado galopando sobre as campinas. Nesta hora até senti os ventos batendo contra meu rosto.

Mas foi o barulhão que mais me assustou. Parecia que era um trovão disparado que a natureza esqueceu de desligar.
Outras vezes parecia que a estrada estava cheia de costeletas e ele ficava pulando amarelinha no chão. Caía e levantava e caía de novo e levantava de novo. Quase botei meus bofes pra fora nesta hora.

Dudu, vou te confessar uma coisa: eu gosto mesmo é de viajar dentro de um trem de verdade, ou em cima de um cavalo, ou mesmo dentro de uma BMW que tem até uma mesinha para eu e você tomarmos nossos lanches.

Já falei muito. Depois contarei nossos passeios sobre aquele mundão de águas.
Tô com muuuiiitas saudades de você.

Um abraço, um beijo e uma lasca de queijo

                                     da vovó Zarinha.


Funil, dia 4 de setembro de 2025

Sugestão: será que alguém quer desenhar a vovó Zarinha dentro da barriga do avião?


Fotografia: pintura em painel na parede do Museu em Caraíva, Porto Seguro. (arquivo  pessoal)

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Crônica: Ilustres visitantes

                           



- Mãe, tem uns parentes seus lá fora...


Era manhãzinha de um dia de semana qualquer.

Logo soube que ela estaria brincando comigo. Não tenho parentes por essas bandas de cá. Mesmo assim caminhei em direção à porta de vidro. Lá estavam eles a nos perscrutar. Dois jacus. Tentei fotografá-los. Nestes tempos de seca tenho colocado água para os pássaros que aparecem por aqui e preocupado com a alimentação deles. Tudo muito seco e arrasado.

Ficamos quietas a admirá-los.

Logo a seguir, da mesa do café da manhã, vejo dois tucanos assanhando para o derradeiro cacho de banana dos demais que não vingaram.

-Ah não! Essa banana é para nós.

Acho que eles ouviram minha voz e voaram dali para perto do galinheiro onde, nesta semana, havia colocado duas franguinhas. “Vixemaria, eles vão arrebentar a tela e comer as franguinhas” foi o que pensei. Mas eles voaram para outras freguesias. E meu coração doeu pela fuga. Deviam estar com fome.

- Mãe, olha ali!

Dois pássaros bicudos que me fizeram lembrar o carcará. E do carcará fui lembrar o meu neto do outro lado do mundo.

- Vó, quando eu for aí vou ficar só dentro da piscina, viu!

Claro que ouvi. E ficarei com ele o tempo todo, mesmo que me escaldando dentro d’água.

Por algum tempo ainda fiquei à mesa do café. Pensava o tanto que gosto de morar aqui. Uma casa construída no depois. Em volta ipês, angicos, um mogno cuja muda me foi vendida como cedro. Eu queria ter um cedro no meu quintal. 

Quando criança, viajando para minha terra natal em seus noventa e dois quilômetros de estrada de terra, lembro-me do meu pai ou do nosso tio padre. Havia o temido trecho do cedro. Pavor dos motoristas. Ele ficava no alto de uma serra e, quando chovia, nenhum carro conseguia vencer aquela distância. Algumas vezes uma junta de bois dos fazendeiros próximos vinha puxar o carro do atoleiro no lamaçal. Lá embaixo havia uma casinha de tijolos. Minha irmã passou a chama-la de “a casa do pé-de-moleque”. Nem a casa pé-de-moleque, nem o cedro existem mais senão dentro das minhas lembranças. Reconstruíam a estrada, tiraram o morro acidentado e asfaltaram tudo. Hoje, quando raramente passo por ali, as batidas do meu coração ainda soam saudosas dos barulhos provocados pelos bois com suas cangas salvadoras.

Penso que somos construídos das lembranças de nós crianças. Sou construída de águas, de terras coloridas, das palavras ouvidas, de olhares atravessados, dos sabores das frutas e das quitandas, dos afetos dos familiares e de tantas outras vivências.

Mas, voltando para meu dia de visitas, já no final da tarde escuto sons estridentes. Um chamado. Outro chamado. Um casal de seriemas que passeiam pela estrada, fora do meu quintal. Posso sentir a paixão entre elas. Não se desgrudam. Danam a gritar se uma sai do campo da visão da outra.

Outro dia vi pequenas aves que pareciam pequeninas galinhas. Assim que me viram se esconderam às margens da estradinha do meu bairro. O piado não me era desconhecido, mas havia esquecido o nome delas. Saracuras. Minha vizinha me lembrou.

Se, por um lado alguns vizinhos e eu respeitamos esses pássaros que convivem conosco neste maravilhoso pedacinho de terra, por outro lado diariamente vejo, estarrecida, fumaças de folhas e ou lixos sendo queimados aos arredores por outros vizinhos.

Ontem, enquanto estava sentada à frente da tela do computador, senti que estava sendo observada. Olhei pela janela e lá estava ela, toda charmosa sobre o muro. Uma seriema. Por ali ficou acompanhando meus passos dentro de casa. Convidei-a me ajudar na cozinha. Ela caminhou sobre o muro mantendo sua elegância e, daí a pouco, começou a gritar. De algum lugar na vizinhança ouvimos a resposta ao seu chamado, certamente do seu amor.

Fiquei pensando no meu privilégio de morar bem junto à natureza e já, quase totalmente,  me integrada a ele.

Funil.

20/08/2025

Observação: 
-Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem no final. 


                                               



                               Siriema

                                                         Outro jacu entre as folhas


                        Siriema desfilando e me acompanhando.


Observação: caso queriam fazer algum comentário, por favor, identifique-se após o mesmo.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Crônica: Meu Pai


"Aroeira de mato virgem não alisa" - João Guimarães Rosa


Meu pai

Resistente a ventos fortes, resiliente, saudável, elegante em sua presença marcante.

Assim foi meu pai: uma aroeira de sertão.

A sorte decidiu seu destino. Livrar -se do magistério na UFMG em BH ou a face da moeda, se Juiz de Fora ou Pirapora? Deu Pirapora!

Pra ser feliz basta ser bom, sua máxima, ao acolher refugiados do regime nazista em nossa pequena cidade.

O escritor francês George Bernanos com seu premiado filme "Sob o sol de Satã" (sobre a luta entre o bem e o mal).

Também o acadêmico alemão Hugo Vitor Hutter, meu primeiro professor de pintura, que nos impunha modelos de castelos e cenas da Alemanha.Até eu dizer basta e começar a pintar cenas bem brasileiras.

Na fazenda sempre o amor pela natureza. O canto da saracura, a orquestra dos sapos Martelo a coaxar como a batida de um tambor.

No pasto, os bois mansos com olhos de perdão recebiam nomes poéticos: Neblina, Diadorim, Tango, Cadeado e o garrote Figurão.

Éramos quatro filhas, suas Três Marias, estrelas da constelação de Órion, e a caçula, sua estrela Dalva.

Junto ao consultório de dentista, ele se trancava para revelar as radiografias num porãozinho escuro. Após seu toc toc eu então abria a portinha. Medo de faltar oxigênio e meu pai morrer... Era o único raio X da cidade, usado sem proteção.Teria isso silenciado sua voz sedutora de locutor da Rádio Mineira e os trechos de ópera que cantava lindamente?

Enérgico, você podava nossas asas, para mais tarde ampliar nossos vôos libertários.

Papai, como foi bom, e ainda é, ser sua filha.


Autoria: Maria Silvia Vargas Boaventura, minha colega da turma da Oficina de Escrita Criativa da OAP (Organizaçao dos Aposentados e Pensionistas  da UFMG) ministrada pelo poeta e escritor mineiro, Ronald Claver. Também não posso e não quero  deixar de dizer que tratá-se de uma  escritora muito sensível, artista plástica e por quem tenho grande admiração. 
A ela agradeço a gentileza de permitir que publicasse esse rico depoimento.

Palavras de Maria Silvia: "Sobre mim? Gosto de escrever, pintar e modelar a argila, tentando ser eu mesma. Sinto saudades do amor. Do Gerais de Pirapora para o asfalto de BH, aprendiz de outros ofícios."



            Desenho feito por Maria Silvia com pastel seco




                                                         

                                     Pais da Maria Silvia
 








                                                       Franz Marc (pintura)



                                                     Árvore aroeira




                                           Cartão Postal do Morro da Garça





Pinhas em cerâmica (trabalho de Maria Silvia)




                              


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Poema: Encantamento

 




Às vezes me pego, terrivelmente, fascinada

O sujeito desejado - do outro lado -

nada sabe dos meus atrevimentos



Às vezes me pego, terrivelmente, fora do ritmo

É nesse descompasso que me encontro agora,

- Deveras apaixonada -



Talvez seja por isso que nunca soube amar,

nem dançar

Sempre descompassada;

atrasada demais,

na frente demais.

Assim desritmada


Ainda hei de entrar no tempo certo

Sair dançando

Então seremos dois

- amando-nos -



03/08/2025






 






quinta-feira, 31 de julho de 2025

Crônica: A dona da casa




Nunca soube cuidar da minha casa. Hoje foi mais um dia de desatino. O frio me convidou para ficar debaixo dos cobertores. Fatos raros. Aqui não me lembro de ter usado tantos cobertores. Nem me lembro de ter ficado debaixo deles depois das seis horas da manhã. Mas hoje fiquei, e sob três deles. Que me espere o que tenho que fazer na casa.

Quando, na adolescência, minha mãe dividiu as tarefas da nossa casa, pude escolher a lavação das roupas. Nessa época já tínhamos, sobre o tanque de cimento, uma cobertura nos livrando do sol e das chuvas, mas nem tanto. Minha mãe me ensinava como lavar as roupas e fui adaptando com meus modos. Criei uma fórmula infalível para as roupas brancas que eu deixava de molho dentro de uma enorme bacia de cobre. Seria a mesma onde tomávamos banho anos atrás?

Mais tarde, nas repúblicas de estudantes em Juiz de Fora, também dividia os serviços entre nós, moradoras. Confesso que apaguei esse tempo da minha cabeça. Apenas resíduos na memória nada agradáveis de lembrar.

Na universidade enchia meu tempo na leitura de livros; muitos livros. Foi nessa época que conheci os tais livros-bolso e lia até dois ou três por dia. Acho que foi a maneira que encontrei para não ter que me haver com a minha solidão em meio a tantos estudantes e tantos livros técnicos. Penso que foi assim que fiquei perdida na imaginação. Eu só sonhava.

Depois veio outro tempo. Belo Horizonte me recebeu de braços abertos. Ainda posso sentir meu encantamento quando o ônibus saiu da Avenida Amazonas, entrou na Rua Tamoios e vi o prédio da Telemig logo à minha direita. Outra lembrança que me vem sempre foi a topada que dei defronte o prédio da Minas Caixa, nossa caixa econômica, na praça Afonso Arinos, de onde nascem as avenidas João Pinheiro e Augusto de Lima. Ainda posso me lembrar do enorme painel sobre a parede no gigantesco hall da Minas Caixa. (Só hoje fiquei sabendo tratar-se de uma obra do professor, pintor, ilustrador, “Álvaro Apocalypse” conforme me disse outra artista plástica, minha colega da poesia, Maria José Boaventura, ex-aluna dele.)

Minhas retinas fixaram aquelas imagens como se fossem  belas fotos de Sebastião Salgado. Era então o ano de 1980. Fui apanhada, sem piedade, pelo amor à cidade.

Em Belo Horizonte morei aqui e ali, com destino incerto. Era tão só eu, meus livros e minha história. Por conta disso, mais tarde um cunhado iria me chamar de cigana.

Um trabalho em Betim e o nascimento do primeiro filho me levaram de B.H. Ainda de costas para as tarefas da casa. Foi o tempo da maternidade e do início da minha profissão. Havia terminado minha residência em Psiquiatria no local onde desejei. Precisava trabalhar. Em Betim, mais uma vez, a casa foi ficando de lado. Gostava das roupas limpas e cheirosas, da cozinha e do banheiro cheirosos também. Então, chegou Marta, uma menina dos cabelos louros, da pele clara e dos olhos verdes enviesados. Veio do interior para morar comigo. Minha segunda filha havia nascido. Marta cuidou dela com extremo cuidado e dedicação. Mudamos novamente de casa. Agora uma casa ampla no centro da cidade. Foi só ali que me dediquei a deixar minha casa do meu gosto. Foi ali também que nasceu minha terceira filha.

Quem diria que eu construiria uma casa dos meus sonhos? Pois construí. Durou o tempo dos cinco anos da terceira filha. Marta havia se casado e outras auxiliares foram sendo necessárias. Algumas foram extremistas nos cuidados da casa e outras nos cuidados com meu filho e minhas filhas. Uma separação me levou para um apartamento no melhor local da cidade. Ali nos reconstruímos, eu e três filhos. Fiz um bazar para vender o que não cabia no apartamento. Arrecadei um pouco de dinheiro que ajudou nas despesas da mudança e desfiz de peças a mais.

Jamais esqueci o sentimento de liberdade quando percebi que todos os espaços do guarda-roupa eram meus. O sol invadia os quartos e nos trazia energias suficientes para enfrentar novos tempos. E novos tempos viriam. E novas casas viriam também.

Atualmente vivo entre montanhas de nossas Minas Gerais. Vivo na casa que construí no depois. Depois dos filhos. Depois da aposentadoria. Depois dos amores. Agora recebo visitas; faço deliciosos bolos; cuido das flores e contemplo o crescimento de novas árvores frutíferas. Lavo roupas. Leio bons livros e escrevo. E continuo bastante embaraçada nos cuidados da casa.

Com certeza jamais fui dona de casa. Com certeza tenho sido tão apenas dona da casa.

31/07/2025


Quadros, comprados numa feira, pintados por pessoas portadoras de doença mental


                                         Manacá da serra, muda florindo pela primeira vez.


Tamareira, plantada em julho de 2022. Dará frutos em depois de 40 anos.


                                                                          Minhas flores

                    "O luxo do lixo", pintado por um grande artista, também portador de doença mental.

Aqui, bacia em pedra sabão, os passarinhos bebem água e fazem fila para tomarem banho.


                   Cogumelo, feito de papel e cimento, entre mudas de podocarpo.


                                    Buganvilias alaranjadas, minha preferida.



Fotografias: arquivo pessoal

Observação: caso queira fazer algum comentário, por favor, coloque seu nome no final. 

sábado, 26 de julho de 2025

Poesia: Do palco à palavra





Que manhã de sábado linda, depois da chuva.

Folga na irrigação!

A dona do jardim fica com tempo livre pra mais um poema.

Ela se senta pra escrever e entende que o poema já está: 

é a vida.


Funil, manhã de 26/07/2025

Autoria: Anderson Aníbal (meu grande amigo)

                      


Fotografias: cedidas por Anderson Aníbal

terça-feira, 22 de julho de 2025

Agradecimento: Festa das letras

 



Ontem foi dia de festa.


Em dias assim meu coração dispara ainda mais. Sempre acabo perdendo o rumo e as palavras voam de mim. Mas ontem, aquelas que seriam minhas palavras, estavam soltas pelo salão. As palavras já não eram apenas minhas, eram "nossas palavras”. Nossas palavras que foram povoar nosso livro.

“te dou minha palavra” é nosso livro. Somos vinte e quatro alunas e alunos da Oficina de Escrita Criativa da OAP-UFMG que, com muitas palavras, agradecemos e homenageamos nosso mestre das palavras, Ronald Claver. Foi uma tarde como há muito não me via. Entre colegas, editor, organizadores e convidados, nossas palavras circularam e dançaram pelo refinado salão da AEA-MG (Associação dos Empregados Aposentados da Caixa Ecônomica Federal) que, gentilmente nos cedeu o espaço . Um café com pães de queijo e geleias de frutas de Barbacena só fez aumentar o paladar de nossas palavras. Roupas elegantes desfilaram carregando nossas palavras. Abraços calorosos acolheram nossas histórias. Sorrisos e fotos deram o tom do nosso livro desfolhando em letras.

Ronald Claver , “te dou minha palavra”: tudo tem valido a pena.

Muito obrigada.

22/07/2025


                                   Ronald, esposa e filho e comissão organizadora do livro

                                              
                                                   Dra Gislene Valadares e eu

                                           
                                       Luiz Claudio, lafaetenes, poeta e sambista

                                

                                Na mesa com outas escritoras