segunda-feira, 2 de março de 2015

DE VOLTA PARA ALGUM LUGAR

                                     


Eis mais uma vez eu carregando caixas de livros escada abaixo. Com ajudantes jovens, calados e apressados. Tudo é descido em menos de uma hora. Caminhão cheio, lá vamos nós para nosso novo endereço.

Lembro bem das minhas várias mudanças de bairros e cidades.  Cada uma delas  nas suas extravagâncias. Mas confesso  que sempre gostei de fazê-las.

Uma vez ganhei um guarda-roupas. Morávamos nove moças numa única república. Era um luxuoso apartamento num edifício velho que se tornou fora de moda. Busquei aquele  presente como quem busca um tesouro. Com a ajuda de outras colegas, trouxemos nas costas nosso elefante, todo branquinho, pela Avenida Rio Branco, em Juiz de Fora. E nele guardei minhas parcas roupas, deixando espaço para as duas meninas com quem dividia meu quarto. Esse lindo móvel me acompanhou  pelo tempo necessário até minha formatura. Ainda vejo cada pequenina gaveta que parecia guardar segredos inconfessáveis.

Algum tempo depois desse episódio fui convidada para um almoço na bela casa de um parente distante, na mesma cidade. Ao cumprimentar aquele senhor que eu não conhecia, ele me dissera:

-“Você não é a menina que carregou um guarda- roupa pela avenida?  Naquele dia eu parei meu carro e fiquei apreciando a cena.”

Desde então nunca mais parei de carregar guarda-roupas.

Logo que cheguei a Juiz de Fora, em 1975, eu fui morar na casa de um colega de trabalho e compadre do meu pai. A casa ficava num bairro não muito distante do centro da cidade onde eu fazia meu terceiro ano integrado ao cursinho. Eu havia ganhado uma bolsa de estudos numa seleção para cursar o maior e  melhor pré-vestibular da época. Logo fiquei fascinada com a arquitetura do Colégio Cristo Redentor. Ele estava e ainda está encrustado no morro do Cristo Redentor, no ponto mais alto do centro da cidade que fica toda a seus pés.

Tudo me era novidade. Minha sala era gigantesca e havia um enorme tablado para os professores. Éramos cem alunos desconhecidos. E eu só fazia estudar. Estudei com vários colegas, uma em especial fez toda a diferença. Ela ia até a casa onde eu morava e estudávamos muito. Logo suas notas melhoraram e ela passou a vir frequentemente. Tínhamos métodos, planejamentos e a esperança de uma vaga para o curso de medicina naquela Universidade Federal de Juiz de Fora.
  
Voltemos a minha amiga que um dia apareceu com seu pai, um libanês que mal falava algumas palavras do nosso português. Ele mandou que eu juntasse minhas coisas e que mudasse para sua casa, na mais fria região montanhosa da cidade. E foram seis meses a dormir de duas a quatro horas por noite, tomar coca-cola com café para espantar o sono e comer todas aquelas comidas árabes.

Enfim chegou nosso bendito vestibular. Aquele libanês chorou como uma criança quando soube da aprovação de sua filha. Eu também fui aprovada e conquistei meu lugar. Jamais esquecerei  o seu carinho paterno, a paciência de sua esposa, a língua falada de maneira  desajeitada e cheia de arrancos. (1)

Aquela fora uma mudança deveras promissora.

Continuei  mudando daqui pra ali e dali para acolá. Fui deixando coisas para trás e buscando outras. Num total desassossego e harmonia.

Uma vez, escrevendo para um amigo, falei que estava mudando de casa, de cidade, de jeito, de modos de vida e por ai afora. Ele respondeu com uma dissertação acerca de sua  própria falta de mudanças, comparando-se a um tronco envelhecido, rígido e imutável.  Ele dizia admirado com a flexibilidade que eu dava a minha vida. Acho que ele não entendia que aquilo me era preciso.

Às vezes brinco com os nomes das cidades por onde passei, morei ou trabalhei. Brinco que a letra B é parte integrante da minha vida e fiel escudeira. Pois nasci em Brás Pires, estagiei em Barbacena, especializei-me em Belo Horizonte, morei e trabalhei em Betim e em Brumadinho. Mas afirmo e reafirmo que não quero mudar para Bonfim. Nada contra a charmosa cidade do carnaval a cavalos. Mas tudo contra meu fim.

Hoje, mais uma grande mudança se faz na minha vida. Voltamos para Belo Horizonte, cidade que me encantou no primeiro ano da década de oitenta. É uma meia volta pois metade de mim ficará junto aos ipês na região das brumas, em Mário Campos.  E é de lá que continuarei a viver e mudar sempre que se fizer preciso. 

Não carrego mais guarda-roupas. Entretanto jamais deixarei de carregar caixas pesadas com meus tesouros. 

 Por onde for levarei meus livros. Sempre...




(1) Nome: Joseph Kalil El Khoury

Cidade Natal: Kfarnice (área das montanhas libanesas, próximo de Beirute). 
Joseph Kalil el Khoury chegou ao Brasil, de navio, depois de vários dias viajando, com 10 apenas anos de idade.

Um comentário:

  1. Rogeria Kalil Brumano24 de março de 2015 às 12:31

    Parabéns, Rivelli ! Muito sucesso. Você sempre foi boa em escrever. Grande abraço, Roogeria

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