terça-feira, 12 de janeiro de 2016

UM SEM LUGAR



   Eu amava a janela da minha casa. Ali era meu pedaço do universo. Por ali via passar meus vizinhos. E eu gostava muito de todos eles. Embora, nos últimos anos ainda morando ali, meu quarto ficasse nos fundos da casa eu sempre me voltava para os quartos da frente, arredava as cortinas de tecido de algodão e entreolhava a rua. Às vezes eu não gostava que me vissem e então abria apenas uma pequena fresta para que não me vissem pelo lado de fora.

  Eu ficava vendo passar maridos, esposas, filhos, genros, namorados. Ainda não havia netos na minha rua. Só os da Dona Maria que de vez em quando vinham visitá-la. E é justamente de um neto dela que quero falar hoje. Mas este já era menino crescido e morava com a mãe logo abaixo da minha casa.

   Ele tinha um nome diferente e que não era nome de santo algum. Vivia da casa da avó para a casa da mãe; para lá e para cá como se não tivesse um lugar seu. Era moreno, do cabelo preto de índio e muito bonito. Estava sempre inquieto e sozinho. Parecido com a mãe nas aparências e nos desafios. O pai era calmo, de cor clara e bom vizinho. Nossa rua tinha várias turmas de amigos mas ele não se enturmava com nenhuma delas.

   E as brigas com a mãe eram constantes. Ela ameaçava, brigava, gritava, batia e adoecia com aquele filho sem juízo. Parou de estudar. Não tinha amigos por ali e parecia que tinha desespero na cabeça. Tinha um irmão mais novo. Este tinha nome de santo e filho de pai com nome de santo. Bem mais jovem que o irmão crescido.

   Valtencir assim que cresceu um pouco mais começou a dar mais problemas para a mãe. Ficou ainda mais briguento, desbocado, desrespeitador com a mãe e os avós. Quando bebia ficava muito dos pior, mais desbocado e bruto com a mãe. E logo começou a chegar tarde em casa. Não houve castigos que desse jeito nele. Será que além dos castigos houvera conversas ? 

   Ele nunca me olhava às avessas. E eu sempre o cumprimentava. Tinha muito dó dele. Acho que o percebia sem rumo na vida e sem parador dentro de casa. 

   Assim que apanhou idade passou a ficar dias e noites fora de casa. Meus pais diziam que ele não era exemplo para ninguém. Deu que num tempo o moço sumiu. A mãe dizia que ele fora trabalhar na cidade grande. Muito raramente aquele filho aparecia para visitar os pais.  

  Depois de um tempo não se ouviu mais falar dele. Ele devia ter virado homem e tomado rumo certo na vida. Era o que eu pensava. Ou que ele tivesse ido para a Serra do Carajás em busca do ouro. Ouvira dizer de muitos jovens naquela época que haviam ido para o "Eldorado dos Carajás". Quem sabe enricou, casou e ficou por lá. 

  Um perdido no mundo.

  Aquele tempo era dos difíceis. Sem telefones. Só o da minha casa para toda aquela rua de pedras pretas.

   E eu continuava a olhar pela janela e às vezes pensava em Valtencir. Tinha pra mim que havia faltado um pai na vida dele. O pai havido era do outro irmão. 

   E dera que numa noite acordei no meu quarto lá dos fundos com uma gritaria misturada com choro e desespero. Toda a rua acordou no desalento da mulher. Os vizinhos saíram em amparo. Valtencir havia morrido. Matado? Afogou-se? A noticia chegou por enviados da policia. A rua emudeceu após a notícia. O povo sempre era de muito respeito. A mãe carecia de sentir dor senão aquilo podia virar doença. E as dores saíam nos gritos. 

  Fui ver Valtencir com seu corpo despedaçado e seu rosto deformado. O velório acontecera na sua desdita casa.

  Naqueles tempos eu rezava pela Santíssima Trindade e por Deus. Então pedi ao Espírito Santo que conduzisse o meu vizinho, um Filho até o céu e lhe providenciasse um Pai.

12/01/2016


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