terça-feira, 21 de março de 2017

Cartas de amor - I







24/02/2017

Meu amor

Nesta noite, no baralho, perdi todas as paciências. Estava deveras impaciente. A seguir, entre bolsas, roupas espalhadas e calçados eu arrumava a mala para minha viagem. Então, prontas minhas arrumações, lembrei de nós.

Naquela época éramos duas crianças. Vivíamos a brincar na rua com nossos vizinhos. Era uma rua nova e cheia de nós. Ainda me lembro quando você chegou por lá. Para mim você foi só mais um dos tantos filhos daquela mulher tão diferente das demais. E nada em ti me despertou novidades.

Mas eis que vi seu olhar firme e doce. Perscrutador e manso. Solitário e completo. Eu nada sabia dos amores. Sabia de um coração que disparava todas as vezes que via você. Tentei em vão ser vista por ti.

Aproximei e nos tornamos amigos. Você tinha as palavras que não cabiam em mim. Sabia das coisas que moravam dentro do meu coração. Parecia que você era eu ao avesso. Aquilo era eu e, entretanto eu não sabia dizê-lo. Continuamos brincando apesar do amor nascido.

E crescemos num tempo contrário aos nossos sonhos até que cada um seguiu seu caminho. Partimos. A distância e as impossibilidades foram grandes por demais. Desencontramos. Foi o tempo dos sofrimentos. Foi o tempo para outros tempos. Foi o tempo para outros encontros. Nosso amor não sobreviveu. Ficou apenas a  lembrança de nós adolescendo. E como éramos felizes.

Depois de muitos anos nos reencontramos. Ainda éramos duas crianças sedentas de amor. E nos amamos. As palavras deram lugar aos atos. Nenhum dizia do outro. Instantes sem palavras. Tive a certeza de que não esquecera de mim. Tive a certeza de que ainda me amava tanto quanto meu coração fazia crer.

Ao acaso, de tempos em tempos continuamos a nos encontrar para não falar de amor. Mas para fazer amor. Escutar você falar de suas crenças me bastava. Embora jamais acreditasse nelas. Nunca fora necessário. Seus abraços me afagavam e me davam o sentido oposto a tudo que dizia. Entretanto eu desejava viver com você apesar dos contrários de nós.

Meu amor, lembrei de uma noite durante um jantar, enquanto escutava você com atenção e imenso prazer, sentia meu coração apertado. Ele doía enquanto percebia que a impossibilidade do nosso amor jamais estivera nas distâncias físicas. A constatação de que nos tornamos dois diferentes caiu como um raio. E deixou meu corpo e meu eu em destroços.

A partir de então dava-lhe meu corpo mas me tornou impossível lhe dar meu eu.

Tomei-me de você. Agora ando procurando aqueles olhos que me olhavam na infância quando eu ainda acreditava em "viver felizes para sempre"

Termino lhe afirmando que fomos felizes sempre que nos permitimos sê-lo. E que ainda aguardo pelo seu ato libertador.

Com muito amor e muitos abraços
                                             
                             De quem você sabe quem.



P.S. Nesta primeira noite de outono venci nas cartas. E, enquanto Morfeu não me embalava em seus braços, fiquei desacelerando as batidas do meu coração com o apito e o tilintar das rodas de ferro dos trens de nossas Minas Gerais. Com certeza todos os trilhos levam ao amor.

21/03/ 2017

                                              Ainda eu...

Nenhum comentário:

Postar um comentário