domingo, 7 de julho de 2019

Crônica: A VOVÓ DO DUDU


De uns tempos para cá ela vem estando muito cansada. Qualquer esforço um pouco maior no seu cotidiano já a deixa esbaforida. Deixou de criticar as ações do atual governo brasileiro – nem sequer ouvia mais as notícias de seu estado com o “novo” governador. Entretanto doía-lhe o peito cada vez que ouvia alguma notícia de violência ou ataque aos direitos humanos contra as pessoas mais vulneráveis do país. 


Nesta manhã chorou ao ver as labaredas criminosas no entorno da Aldeia Pataxó na cidade de São Joaquim de Bicas, próximo a Belo Horizonte. O medo vem sendo um dos meios usado para intimidar o povo. A violência, as mentiras, as injustiças, a força e todos os descalabros tomaram conta do país.

Um dia teve um piripaque em casa e foi levada a UPA de sua cidade. “Stress” disse o médico após constatar crise hipertensiva sem outras anormalidades. As vizinhas disseram que ela estava estranha e não dizia nada com nada. Os filhos assustaram. Ela afastou ainda mais de tudo que vinha acontecendo bem perto de si.

A tal reforma da previdência lhe deixava de cabelos em pé. O povo chileno já vinha sofrendo as terríveis consequências por terem feito tal mudança nas regras da aposentadoria. Aumentou o número de idosos desamparados e pobres. Não é possível que seu povo tão esperto não visse o buraco em que estão caindo! Lamentava ela.

Televisão ela já não via há quase um ano. Quis por bem que sua TV nova não captasse os sinais de telecomunicação da região. Optou por continuar sem ela. À noite lia seus livros ou assistia algum filme pela internet. Nada de TVs.

Mas estava atenta a cada pedaço de seu país vendido para os países imperialistas. Sentia como se arrancassem um pedaço de sua alma toda vez que ouvia falar sobre as estatais despedaçadas. Envergonhou e não quis ver o presidente apresentando as bijuterias de nióbio no encontro dos vinte países mais importantes do planeta.

Apesar do filho dizer e acreditar numa saída honrosa para tudo isto ela não tinha mais esperanças. Ele até emagreceu de tanto trabalhar, estudar, discutir e argumentar contra tudo que o presidente e sua corriola têm aprontado.

Para a vovó do Dudu o ódio e a ignorância haviam vencido os sentimentos mais nobres do ser humano. A dignidade, o amor, o respeito, a generosidade, a educação e a justiça sucumbiram. Haveria de começar tudo outra vez.

Ela que cantou “Maria Maria” via agora as Marias serem perseguidas e ultrajadas. Ela que cantou “caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais...” assistia agora os caminhos sombrios e emudecidos. Ela que gritou por ”Diretas já” vinha agora a jovem democracia adoecida. Ela que acreditou que “dias melhores virão” via agora um futuro sem futuro.

Enquanto ela vive tudo isto ainda consegue lembrar-se daquela noite fria quando o filho, a nora e o neto foram dormir na barraca. Dudu caminhou até ela, pegou na sua mão e a pediu para deitar com ele e sua mamãe no colchão improvisado dentro da barraca. Silenciosamente ela aceitara o convite. Não sem alguma dificuldade ela deitou num extremo do colchão, a mãe no outro e ele no meio. Ora tocava com as mãos o corpo da mãe e com os pés acariciava o corpo da vovó. Ora invertia as posições sem perder uma ou outra.


Dormiu o netinho. E a vovó ficou pensando em como sair dali. Saiu com a ajuda do filho que veio em seu socorro. Ela olhou para o menino e pensou em todas as crianças neste país tão desigual. 

Não conseguiu evitar uma lágrima teimosa.

07/07/2019

Um comentário:

  1. Caminho nas ruas aos meus pés e a desigualdade chega me aniquilar diante da minha impotência. Tenho carregado o mesmo sentimento dentro de mim.

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