terça-feira, 16 de março de 2021

Crônica: Pandemia x Ignorância

(Indelicadezas em Tempos de Coronavírus - I)

Há um ano a Organização Mundial de Saúde anunciou ao mundo uma nova doença causada pelo Coronavírus cuja transmissão humana se dava pelo contato com as gotículas de água expelidas durante a fala, os espirros e tosses e a respiração (o perdigoto como é chamado em medicina). Informaram que nada sabiam do novo vírus que sofrera mutação dos animais para o homem, surgido provavelmente na China. Foi dito também acerca da alta taxa de transmissão embora com baixo índice de adoecimento grave e ou morte. Mas salientaram que, devido ao contágio rápido, acabaria resultando em um grande número de pacientes graves e mortes. Nada sabiam sobre o possível tratamento. Nenhum medicamento havido sido eficaz na China, onde a doença fora diagnosticada, senão a prevenção que consistia em distanciamento, o uso de máscaras, o ato de lavar as mãos com água e sabão e álcool em gel, várias vezes ao dia, e o isolamento caso houvessem pacientes com exames positivos.

As TVs do mundo inteiro começaram a mostrar os doentes, os hospitais cheios, as dezenas de mortes, as centenas de mortes e as milhares de mortes pela então denominada doença COVID-19. Pelo mundo afora. Foi tudo muito rápido. Só se viam pessoas de máscaras transitando pelas diversas cidades do planeta. Assim aprendemos uma nova palavra que vem causando calorosas discussões: lockdown. As cidades deveriam fechar e manterem apenas os serviços essenciais. Estavam dadas as orientações.

Cada país, cada região, cada cidade foi criando seus comitês de enfrentamento à Pandemia pelo Coronavírus. Nossas famílias foram perdendo pais, mães, filhos, tios, avós, sem nem mesmo fazer as honras fúnebres. O mundo parou para chorar seus mortos.

Entretanto no país chamado Brasil nada fora feito pelo presidente que minimizava a doença, criticava aqueles e aquelas que se comportavam conforme os protocolos da ciência, ironizava as dores dos familiares órfãos. E, para além disto, incitava o povo a saírem às ruas sem máscaras, fazerem aglomerações e não obedecerem às instruções dos especialistas e que "aquilo", não passava de uma “gripezinha”. Esse mesmo presidente comprou toneladas de medicamentos que, segundo ele, deveriam ser usados como agentes preventivos. Medicamentos esses sem quaisquer comprovações científicas para tal uso e, para além disso, com efeitos colaterais graves como hepatite e problemas cardíacos. Mesmo assim, uma grande parcela do povo brasileiro obedeceu cegamente ao seu “mito”. Muitos deles acabaram sendo infectados, outros apresentaram doenças hepáticas e tantos outros acabaram morrendo também.

O Coronavírus vem nos mostrando que ele não escolhe raça, cor, gênero, rico, pobre, embora, inicialmente, fora observado que ele infectava mais as pessoas acima de sessenta anos, devido ao fato de terem o sistema imunitário mais lento e deficiente. Entretanto, passado um tempo, a transmissão se alastrou por todos os recantos do mundo e o Coronavírus passou a infectar também outras faixas etárias, chegando à triste realidade de mortes de crianças e recém-nascidos. Ele vem, sem piedade, entra em nossos pulmões, rouba-nos o ar e a vida. O vírus nos mata. Só isso. O vírus veio ensinar sobre o conceito de democracia. De todos para todos. Quem quiser que aprenda a lição negada pelo tal presidente do Brasil.

Esta foi a introdução para a questão que desejo colocar, ou seja, o que faz as pessoas se orientarem pelo erro, pela negação da obviedade, pelo descaso com a ciência, pelo apelo e amor à ignorância e ao ódio, pelo descaso com o outro, pela cegueira diante da luz?

A história já nos mostrou os horrores da idade Média, os povos vivendo nas trevas, os reis e clérigos usurpando direitos, queimando as “bruxas” porque elas eram mulheres sábias e belas. E, tal fato, era uma ameaça ao patriarcado, ao poderio da igreja e à imoralidade.

A história, ainda bem recente, nos mostra também sobre o inominável alemão de bigodes curtos quando, na segunda grande guerra mundial, matou seis milhões de judeus, duzentos mil ciganos, três milhões de soviéticos, dois milhões de poloneses, porque queria uma raça ariana pura, porque não gostava de outros povos. Fez o povo alemão acreditar que ele estava certo. E o povo acreditou e cometeu a barbárie que todos nós conhecemos.

Volto à questão: o que faz um povo amar um ser inescrupuloso, horrendo, sem expressão na sua língua mãe, violento, machista, racista, subserviente aos interesses imperialistas dos EUA?

Não quero acreditar que os apoiadores desse presidente - os chamados “bolsominions ou bolsonaristas” se identifiquem com tal figura. Freud nos ensinou sobre a identificação aos detentores do poder e aos líderes, quando esses tem dentro de si as mesmas características daqueles. Portanto e, infelizmente, me rendo, calo e aceito que assim seja como tão bem trabalhado pela psicanálise. 

Seja pela paixão à ignorância. 

Seja pelo ódio ao saber.

Mas, há o amor à ignorância e há a preguiça de ler e aprender. Aqui abro um parêntese para dizer daqueles que jamais tiveram a oportunidade de estudar e que, nem por isto, deixaram de aprender com a vida. A sabedoria é aprendida e apreendida com a vida. Não posso deixar de citar nosso eterno presidente Luiz Inácio da Silva. Mas volto ao presidente atual que, num desabafo de ignorância e contrário aos livros didáticos, nos disse que, “os livros atuais tem muitas letras”.

Então volto á minha leitura do clássico “Os Miseráveis”, escrito no século XIX, na França, com suas mais de mil páginas, outras milhões de belíssimas palavras e bilhões de letras.

E termino transcrevendo a seguinte afirmativa de Victor Hugo: “O impulso das paixões e das ignorâncias, é diferente do impulso do progresso. Levantem-se, que seja, para crescer. Mostrem-me para que lado vão. Não há insurreição senão para adiante. Qualquer outro levante é mau. Qualquer passo violento para trás é revolta. Recuar é uma violência contra o gênero humano.” (livro X – cap. I)

14/03/2021

Um comentário:

  1. E praticamente só temos retrocesso agora... triste realidade brasileira.

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