sábado, 22 de maio de 2021

Crônica: O dia do casamento

 (Delicadezas em tempos de Coronavírus XLVIII)

                                          

                                 

Lembro do seu vestido de noiva. Era a primeira vez que ouvia falar do “marabu”. Você quis que esse adereço fosse colocado na gola rente ao pescoço e nos punhos das mangas longas e, também, justas aos braços. Seu pescoço parecia descansar suavemente num ninho de nuvens assim como suas mãos saindo delas. Nada mais enfeitava aquele vestido. Ele se bastava. Era um vestido de noiva. As plumas finas e brancas do tal "marabu" foram suficientes para esbanjar sua felicidade. Elas esvoaçavam como fios das virgens nuvens de outono. E você estava radiante.
Era inverno. Eu caprichei no meu vestido de veludo "cotelê" em tom marrom. Botas curtas em tom whisky. E uma meia prá lá de fina.

Sua pele estava ainda mais branca no seu vestido de noiva. E você estava muito bela. 


Sua entrada na igreja foi um espetáculo à parte. Você foi agraciada com uma tarde exuberante daqueles tempos de frio. As nuvens coloriram o céu de rosa, alaranjado e dos últimos raios dourados de sol brilhavam no fundo em tons azul . Quem olhava você entrando na igreja, sendo conduzida pelos braços do nosso pai, via a natureza emoldurando a porta de vitrais coloridos. Aquela cena ainda permanece bem viva dentro de mim. Jamais irei esquecê-la.

E a matriz de Nossa Senhora da Conceição abençoou você e seu noivo. Aquele que escolheu e que soube receber seu amor.

Depois houve a recepção dos seus convidados. Da festa pouco me lembro. Mas sei que você preparou tudo com o cuidado e o capricho que sempre lhe foram tão peculiares. Havia trabalhado dobrado para não onerar seu pai e para que tudo saísse do seu jeito. E saiu tudo perfeito como só você saberia fazer.

A seguir viajaram para a lua de mel. Vitória fora a cidade escolhida. Não poderia ser outro o nome da cidade escolhida. Uma filha vitoriosa.

Entretanto, para além deste relato, há uma outra história.

Naquele ano eu já estava na cidade onde fazia faculdade. Quando possível visitava meus pais e irmãos. A irmã do meio já havia se casado, morava em São Paulo e já havia nos presenteado com nossa primeira sobrinha, Letícia.

Os irmãos mais velhos já moravam fora de casa. Os irmãos mais novos também já estavam estudando noutra cidade. Portanto a casa esvaziou. Ficaram nossos pais e um guarda-roupas, de uma única porta. Era nele que as três filhas guardavam suas parcas roupas de vestir e nossas roupas de cama. 

Aquele quarto fora o segundo banheiro da casa que virara dormitório. Não tinha mais que sete metros quadrados. Uma cama de solteiro e o guarda-roupas. Só. Eu sempre havia querido aquele quarto. Talvez fosse porque ele recebia o sol da manhã. Talvez fosse porque nele havia o guarda-roupas. Ou talvez fosse porque sua janela abria para um canteiro de flores. Hoje sei que não fora por nada disso. Ali era o quarto da minha irmã caprichosa, inteligente, estudiosa, dona de si e cheia de graça.

E foi para aquele quarto que me dirigi naquela noite do casamento da minha irmã. Abri a porta do guarda-roupas. Agora ele seria todo meu. Abri a sua única porta e olhei-me no espelho. 

Então caminhei para dentro do meu vestido marrom. Sentei na cama e chorei. chorei copiosamente.

Eu não sabia que gostava tanto daquela minha irmã.


Observações: 
1 - esta crônica foi escrita em homenagem aos setenta anos da minha irmã, no dia 19/05/2021 


2 - "marabu" é um pássaro africano.


Maria do Rosário Nogueira Rivelli



30/03/2021















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