quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Crônica: Cuba - Parte final

 


 

Adeus montanhas de Piñar del Rio. Agora nosso destino é a cidade de Varadero, famosa por seus vinte quilômetros de praia. Agora também somos seis mulheres com três gerações diferentes. Ao nosso grupo aconchegaram mãe e filha de São Paulo, duas simpáticas e descoladas senhoras.

Calada a olhar, eu não queria deixar passar nenhum detalhe daquela viagem. De repente placas por todos os lados indicando Matanzas, uma cidade com o mesmo nome de seu estado. Segundo nosso motorista ali houve uma matança enquanto Cuba colônia. (Pesquisando agora, o nome se deve ao fato de pescadores atenderem aos pedidos de socorro de soldados espanhóis para atravessarem um dos três rios que cortam a cidade e, no meio do rio, os pescadores afundaram os barcos dos soldados).

Da janela do carro pude ver o campus da imensa Universidade de Matanzas “Camilo Cienfuegos”.

Agora quero falar com meu neto, lá do outro lado do mundo:

- Dudu, você não vai acreditar! Jogaram anilina verde claro naquela beirada de mar e o verde foi se misturando com outras cores e eu fiquei abestalhada com tantos verdes, verde com tons azuis, desde azul turquesa até azul marinho. Oh gods my! (É assim que fala “oh meus deuses” em inglês?). Era o mar de Varadero, para onde estávamos indo.

Jamais pensei em ver tanta água com tantos tons quando, na manhã seguinte, fomos àquela famosa praia cubana. Depois de perguntar de que lado ficava a praia em relação a casa onde nos hospedamos, obtivemos a seguinte reposta: “tanto faz, de qualquer lado tem mar”.

“Não seria Varadero a praia mais bonita do Caribe?” (1)

E tem mar por todos os lados. Mar de água morna, calmo e que vem brincar conosco, possibilitando mergulhos e nados por grandes distâncias. Sou da água, mas sou medrosa. Ficava em contato com aquela água fazendo longas viagens para dentro de mim. De vez em quando, via nossa companheira paulistana, de oitenta anos e mais um pouco, dando shows de acrobacia dentro do mar, mergulhando e nadando ao meu lado. Impossível querer sair daquela água. Ficaria ali por longas horas não fossem os raios solares sobre nossa pele.

A cidade de Varadero é linda, com cubanos agradáveis, turistas indo e vindo, uma lojinha aqui outra acolá, restaurantes com deliciosas comidas e bebidas. Só uma coisa não ia tão bem: o sol escaldante do Caribe e o calor intenso. Mas, como diz o ditado, quem está na chuva é pra molhar, aqui ao contrário seria, “quem está em Cuba é pra suar e deslumbrar”.

No dia seguinte queria conhecer o centro da cidade. Pegamos um táxi que nos deixou ao longo da mesma avenida após nos dizer que ali tinha uma padaria. Eu queria comer pão. Entramos numa construção que me parecia um shopping. Seria um projeto de shopping? Não sei, mas tinha pães deliciosos e café, muito café Cubita.

Dois dias de Varadero com praia e já era hora de voltar para Havana.

Voltamos para “casa” com saudades de nossa anfitriona e dos seus cafés da manhã. Na manhã seguinte, levantei cedo “em casa” e a encontrei preparando nosso desayuno. Ela quis conversar comigo e eu tentava ouvir e entender-lhe o espanhol. De repente ela lançou mão do seu celular e já começou a traduzir tudo que eu falava. Ri da esperteza dela e nos demos muito bem. Perguntei-lhe de suas roupas brancas e dos seus colares, quando me disse que era da religião iorubá e negou ser fotografada comigo em respeito às suas crenças. Mais tarde veria muitos cubanos vestidos de branco pelas ruas. Ao me despedir dela, dei-lhe uma blusa branca que havia comprado na Nova Zelândia e ela se emocionou ainda mais quando lhe pedi um abraço. Ainda voltarei em Havana e quero me hospedar no mesmo apartamento para vê-la de novo.

Em Havana queria conhecer a casa onde Chê Guevara havia se hospedado por uns meses quando por lá. Um simpático motorista de táxi nos levou até o bairro Casablanca. Foi circulando naquela casa, lendo a linha do tempo da história da vida do Chê com a revolução cubana, onde mais me emocionei. Parecia que eu fazia parte daquela história.

Lá de cima da casa vimos o porto de Cuba e a cidade aos nossos pés. Não teria sido sem motivos que aquela casa fosse a escolhida. Uma das moças que nos acolheu nos disse que Chê gostava muito de jogar xadrez e que era tão inteligente que jogava até com quatro adversários ao mesmo tempo, razão das quatro mesas com tabuleiros de xadrez expostas numa das salas da casa. Disseram-nos também que naquela casa morava um cunhado do ditador Fulgêncio Batista. Ao sairmos da casa, nosso motorista estava nos esperando nos arredores de um parque com dezenas de árvores. Ele não cobrou o retorno. Estava feliz demais com nossa visita àquele lugar.

No último dia em Havana parecia que eu estava no meu país. Saímos para almoçar e deparei com uma senhora elegante na porta de um departamento público. Achei aquela cena linda e a pedi para fotografá-la. Ela abriu um sorriso e fez pose. Depois lhe mostrei a foto e ela me deu um abraço cubano que jamais esquecerei.

Nosso almoço de despedida foi no elegante restaurante Los Nardos. Ali conversei com o garçom sobre as espécies de madeiras que preenchiam todo o espaço com cadeiras e mesas pesadas, enormes prateleiras do piso até o teto para garrafas de vinho e aparadores de pratos também de madeira. Ele foi muito gentil e me convidou a ver peças antigas guardadas em armários também muito antigos, e me disse tratar-se das madeiras Roble e Caoba.

E voltamos na rua Obispo. Então pude perceber que vários objetos eram feitos de restos de materiais “reciclados” ou aproveitados. Vi um colar feito com o maquinário de um relógio de pulso com as cordas ainda andando. Vi anéis feitos de moedas antigas e teria visto muito mais se tivesse observado mais. Fiquei impressionada com tanta criatividade.

“Os cubanos dizem que todos os segredos da vida do país se resumem num verbo: resolver. Em Cuba, resolver é uma filosofia, uma atitude diante da vida, uma realidade, uma religião e uma teologia. Tudo se pode resolver, que é diferente de comprar, obter, merecer. Resolver é, na realidade, a arte de viver em Cuba.”(2)

Nas duas últimas noites em Havana, nosso patrocinador e sua companheira nos levaram a uma ruazinha toda iluminada, bem perto do “nosso apartamento”, onde havia excelentes sons cubanos, cantoras da música cubana, lanches e nossas bebidas prediletas: mojitos e Cuba Libre.

Voltei com uma frase lida em algum lugar de Cuba : “Pátria es humanidad”.



08/08/2024

(1) e (2) “Água por todos os lados”, Leonardo Padura

Observação: peço aos leitores que se identifiquem, caso queriam fazer comentários. 








                                                               Táxi em  Varadero










                                                      Restaurante num barco antigo


                             













                                                Uma aldrávia de mais de 200 anos, ainda em uso

                                                     Artes com material reciclado numa cerca em Varadero
    


                                             Vista panorâmica de Havana 





                                                   Quarto de Chê Guevara



                                                 

21 comentários:

  1. Rivelli, viajei com você. Amei a crônica. Ainda quero ir a Cuba.

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  2. Patrícia Teixeira Fonseca9 de agosto de 2024 às 08:27

    Que viagem deliciosa deve ter sido, Rivelli.

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  3. Adorei os seus relatos sobre Cuba. Estive lá em 2012 e foi uma experiência fantástica. Revivi a minha viagem com seus registros. Obrigada.

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    1. Olá Consolação. Acompanho também suas viagens que são muitas, não é mesmo. Também quero voltar em Cuba.

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  4. Adorei os seus relatos sobre Cuba. Estive lá em 2012 e foi uma experiência fantástica. Revivi a minha viagem com seus registros. Obrigada.

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  5. Preciso voltar a este país maravilhoso. Rivelli, seu texto realimentou meu desejo.
    Cordovil- Vila (Betim- MG

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  6. Viajei de carona com você! Muito legal!

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    1. Fiquei curiosa. Será que é quem estou pensando? De Ferraz de Vasconcelos?

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  7. Maravilha, Rivelli! Salve!!! Abraços.

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    1. Cássio, que bom que gostou. Saudades do tanto que estudamos e trabalhamos juntos.

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  8. Rivelle, que delícia sua narrativa. Você tem o dom de nos transportar para a situação que você descreve. É, certamente, resultado de sua capacidade de "escutar" com tos os seus sentidos. Parabéns!

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  9. Rivelle, que delicia sua narrativa! Você tem a capacidade de nos transportar para dentro de sua descrição. Deve ser resultado da longa experiência em "escutar" com todos os sentidos. Parabéns!
    Katia Diniz

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  10. Viajei com seu relato sobre Cuba. Que bom conhecer os espaços que o tchê ocupou nessas
    paragens! Luciana

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  11. Edineia Peres;fico encantada com suas narrativas me sinto nesses lugares ,parabéns

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  12. Uai até eu fiquei com vontade de conhecer cuba por tanta beleza e encantos

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