sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Crônica: O relógio não falhou

 



 O relógio não falhou. Ou melhor, o inteligentíssimo celular não falhou. Entretanto, muito mais eficiente que esses aparelhinhos tem sido minha bexiga. O desconforto, com ela cheia, sempre me acorda antes dos despertares eletrônicos. 

Levantei e fiquei como quê perdida pela casa. Não me havia “programado” para fazer alguma coisa nesta sexta-feira além dos afazeres de rotina. Então decidi subir o morro e dar a volta no bairro. Subindo em ziguezague para aliviar o acentuado aclive. Tempo nublado com possibilidades de chuva. Adoraria caminhar sob a chuva. 

Tenho educado meu olhar para as flores às margens da “minha trilha”. Meus olhos sempre foram teimosos e ficavam abaixados.


Muitas sementes de ipês, de jacarandá mimoso -aquele das flores azuis -, de flamboyant mirim, de buganvílias e de tantas outras espécies colorem o chão e trarão novas vidas à nossa região.

Já na descida encontrei com duas vizinhas e trocamos algumas palavras gentis. De volta prá casa liguei o computador e fui escutar as noticias políticas recentes. “Nada de novo no front”.

Uma mensagem enviada ontem por um grupo de trabalhadores da Saúde me colocou a pensar sobre o que temos vivido por aqui no que se refere à possibilidade da instalação de mineradoras bem próximas de nós. Tenho sido contrária a instalação de tais mineradoras por aqui ou quaisquer outros locais devido às devastações ao meio ambiente e a nós também. Quero deixar bem claro que não sou contrária ao progresso nem a geração de empregos conforme têm sido alardeado pelas mineradoras. Se fizermos as contas dos custos e dos benefícios gerados por elas, sabemos bem por onde vai a balança, entretanto entendemos também que não há como disputarmos nossas vontades com o capital, vulgo dinheiro, bufunfa, money.

Esta semana ouvi de um morador seu desgosto por ter ido a uma reunião convocada por uma mineradora. Segundo ele, ali foi ensinado como recuperar as áreas que serão devastadas. Nosso vizinho disse que, nesse momento, saiu irritado da referida reunião.

Sabemos que a cidade de Mário Campos tem a segunda menor área em extensão territorial do estado de Minas Gerais, ou seja, 35 Km². Apenas para comparação, Sarzedo tem 62 km² , Ibirité tem cerca de 72 Km² e Betim tem 346 Km². Não poderia deixar de citar minha pequena cidade de Brás Pires com seus 224 Km² dos quais a grande maioria é de Mata Atlântica preservada. Brás Pires tem apenas 5 mil habitantes. Pensemos nas diferenças em qualidade de vida destas cidades. 

Segundo os documentos de pedidos para instalações de mineradoras, apenas uma mineradora, ocuparia quase 6 km² de extensão desta pequena  área de Mário Campos, ou seja, quase 1/6 de toda a extensão geográfica da cidade.

Lamentavelmente nossa pequenina cidade de Mário Campos está localizada na fatídica região do “Quadrilátero Ferrífero” que, há mais de duzentos anos, vem sendo tão cobiçada e explorada por alemães, portugueses, estadunidenses e tantos outros. Eles chegam, compram nossas terras, retiram os minérios a preços módicos, levam para suas moderníssimas usinas de beneficiamento e nos devolvem em produtos de alta tecnologia e preços dourados. Pude ver bem de perto, na Nova Zelândia, nosso minério em sofisticados utensílios de cozinha. Imaginemos o que eles não fazem com tanto aço.

Desde muito jovem venho me moldando em defesa das minorias no que se refere à saúde, à educação e ao trabalho, venho defendendo o meio ambiente e venho sonhando com um mundo mais igualitário. Ultimamente tenho lido romances de escritoras brasileiras negras e africanas e me dói muito saber como viveram os escravizados no Brasil e como ainda vivem essas pessoas nos países explorados na África.

Será que o município de Mário Campos poderá impedir tais instalações minerárias em seu território? 

Um morador, nascido e criado aqui, tem falado muito sobre a "vocação"de Mário Campos para o turismo ecológico, tornando uma referência na proteção ao meio ambiente. Sugere a onstrução de trilhas protegidas para caminhadas, ciclismo e outros esportes na nossas belas serras. As escolas poderiam incluir em seus conteúdos a educação ambiental com sua população inserida num projeto ambiental beneficiando a todos. Não nos esqueçamos de que temos quase mil trabalhadores em hortas no município. Não nos esqueçamos que Mário Campos tem a maior vazão expontânea de água mineral do mundo. Aqui poderia ser um local de visitação de cientistas, de estudiosos e defensores das águas.

Temos a melhor universidade pública do Brasil, a UFMG, que poderia nos dar assessorias em convênios com a prefeitura para implantações de unidades de proteção  ambiental.

Não nos esqueçamos também que a nossa região tem um grande polo moveleiro atraindo pessoas de todo o Brasil.

O Rio Paraopeba poderia ser revitalizado com restauração de sua mata ciliar, com um belo bulevar às suas margens para passeios de famílias nos finais de semana e pontos de pescaria. O turismo rural. O turismo esportivo. Tudo é possível.

Finalizo plagiando o grande poeta lusitano, Fernando Pessoa: “Tudo valerá a pena se a alma não for pequena”.

08/11/2024
Funil, Mário Campos


Observação: abaixo destaquei algumas frases da entrevista do nosso querido Ailton Krenak ao jornal Brasildefato em novembro de 2020, quando o rompimento da Barragem do Fundão em Mariana, completava cinco anos, vitimando 19 pessoas..


- "A mineração não tem dignidade nenhuma não, ela paga salário porque é obrigado, se ela pudesse, continuaria escravizando as pessoas"

- “Estão causando um dano ao bem comum, a um patrimônio que é do país inteiro, que é do povo brasileiro.”

- “A historia do Brasil é isso, os particulares se apropriando do que é comum e virando dono.”

- “Agora estamos na fila, eles destroem a bacia do rio Doce, depois destroem a bacia do Paraopeba, e assim vão arregaçando com os rios. O rio São Francisco está sob ameaça de implantar mais uma barragem nele. O rio São Francisco todo mundo sabe que ele está desmilinguindo. Ele está doente e você faz mais uma barragem lá. Quando acontecer qualquer evento que colapse a vida do rio São Francisco, quem vai indenizar às milhares de pessoas que vivem na bacia do São Francisco?”

- “As pessoas estão interessadas em se dar bem, que é diferente de bem viver.”



                                                   Sementes de ipê





                                                                   buganvília


                                                                      camarões


                                                      Florzinhas de finca


                                                                 Flamboyant


                                                Placa indicativa do bairro


                                                      Coroa de Cristo




                                                     Muitas mangueiras pelo caminho



                                            Não sei o nome dessa bela trepadeira. (Um amigo paisagista de Muriaé enviou uma mensagem dizendo que esta trepadeira é o Jasmim da Índia)



                                            Mastro em homenagem a N.Sra Aparecida no Cruzeiro


                                                Caliandra ou flor da chuva

3 comentários:

  1. É incrível como as mineradoras devastam, lucram e quer ensinar a população a recuperar as áreas.

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  2. - “As pessoas estão interessadas em se dar bem, que é diferente de bem viver.” lamentável!

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  3. 😢😱 O final é sobre isso!🤢
    O início dessa profunda narrativa é o bálsamo da capacidade de termos esperança da beleza de dias melhores.
    Grandes abraços, querida gente boa!
    Sigamos!💝🪷💝💃🏻
    Dias melhores virão!🙏🏼🙌🏻🙏🏼
    Sua admiradora

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