Muito obrigada pela presença.
Gostaria de dizer pra vocês que, há exatos cinquenta anos, em 1974, eu saía de casa, em Conselheiro Lafaiete, para tentar uma bolsa de estudos na cidade de Juiz de Fora. Eu estava com 17 anos e cursava o segundo ano do ensino médio. Seria a única maneira, caso fosse aprovada dentro das bolsas oferecidas, para que eu fizesse o terceiro ano integrado a um cursinho pré-vestibular da cidade.
Dez anos depois eu chegava a Betim, como a primeira médica psiquiatra da cidade. Era o ano de 1984. Contratada pela Secretaria do Estado da Saúde eu viria como parte do projeto que se chamava AIDS, (Ações integradas descentralizadas de saúde).
(A trágica síndrome da imunodeficiência adquirida, também conhecida como AIDS ou SIDA, chegaria no Brasil logo a seguir.)
Betim era, então, uma pequenina cidade aos arredores da grande capital, Belo Horizonte. Naquele momento não havia lugar para que eu pudesse me instalar e iniciar o trabalho proposto. Então uma sala fora emprestada no antigo prédio do INPS, à Avenida Solimões, pelo nosso querido Dr. Expedito Chumbinho.
No ano seguinte também fui contratada pela FHEMIG para atender “hansenianos com transtornos mentais” na Colônia Santa Izabel..
Em Betim, aprendi sobre a cidade, suas mazelas, sua belezas, e comecei a conhecer as pessoas portadoras de sofrimentos mentais egressos dos hospitais psiquiátricos Galba Veloso e Raul Soares. Meu trabalho consistia em identifica-los e acompanha-los para evitar novas internações e acolher novas pessoas portadoras de sofrimentos mentais graves. Era parte do audacioso projeto da reforma da assistência psiquiátrica no Brasil.
Na Colônia Santa Izabel aprendi muito mais do que poderia imaginar. Aprendi sobre a história da assistência à hanseníase em Minas e no Brasil, aprendi sobre a clínica e tratamento da hanseníase, aprendi sobre as doenças advindas desses tratamentos, incluindo aqui os quadros psiquiátricos.
Tanto em Betim, quanto na Colônia Santa Izabel, eu aprendia muito mais sobre as tragédias vividas pelas pessoas portadoras de hanseníase e ou doença mental nas segregações impostas em nome de uma ciência médica. Eu já havia trabalhado no Hospital Colônia de Barbacena (CHPB) mesmo antes de me formar médica.
Desde então, em cada paciente atendido com respeito e dedicação, eu procurava encontrar restos da humanidade que fora arrancada daquelas pessoas. Tenho certeza que meu trabalho não fora em vão. Escutei muitas histórias de vidas, vi lágrimas e sorrisos estampados em cada um deles e compartilhei muitos afetos. Confesso que, em muitos casos, chorava sozinha no depois.
A literatura fora a parceira constante que me acalentava do insuportável das doenças mentais e das pessoas portadoras de hanseníase. Então eu lia. Lia muito.
Não foi ao acaso que há dez anos eu comecei a escrever. Foi uma precisão. Nessa época eu trabalhava no serviço de urgências psiquiátricas do HGV. Eu que não tinha palavras diante do indizível daqueles atendimentos tão graves e urgentes, tive que buscar nas palavras escritas um jeito de aliviar as dores que carregava comigo. A criação do meu blog de escritas, em maio de 2014, me trouxe uma nova forma de lidar com meu trabalho.
Foi assim, também, que a literatura me ajudou com meus fantasmas internos.
E lá se foram quarenta anos num piscar de olhos.
Agora, eis me aqui, lançando “Em nome da mãe”, um livro onde falo de mim criança e adolescente.
Neste livro as loucuras se encontram para falar de afeto, de amor, de solidão e de redenção.
Muito obrigada.
21/10/2024
Que lindo texto, mãe. Estou muito orgulhoso! Parabéns.
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