quarta-feira, 30 de abril de 2014

Molho vermelho e vinho tinto

...então ela parou e, sem titubear, convidou-o para um encontro. Afinal ele lhe devia algumas palavras que ela jamais pedira. Morava em outra cidade não tão distante dela e, naquele dia, ele estava por ali. 

   Chegou ao trabalho dela e fora recebido como sendo mais um cliente a esperar pelo seu atendimento. Tereza não sabia que viria assim tão rápido. Ele expressara vontade de vê-la numa inesperada ligação telefônica naquela manhã. Trocaram mensagens no celular durante toda tarde. Ela queria mesmo era preparar-lhe uma massa com molho branco e muito queijo, sua especialidade, e um reservado vinho tinto seco embora lembrasse que ele não apreciava bebidas alcoólicas. 


   Ele preferiu molho vermelho. 

   Nada mudara nele. O mesmo sorriso debochado. A mesma alegria. A mesma suavidade.  


   Nunca deixaria de reconhecê-lo. Já se passaram mais de vinte anos desde o último encontro, mas, para Tereza era como se o tivesse visto ontem. 

   Tomé entrou no belo escritório e olhou a cidade toda iluminada a seus pés.


   Ela havia pensado em todos os detalhes para aquela noite. Conteve-se a muito custo. Temia qualquer deslize. 


   Um chalé num sítio que ela havia construído para seu refúgio e para onde se mudara recentemente. Lá se foram eles naquela noite de inverno. 
  
   Ele reparou o pequeno interior da casa. Sentou-se, desconfortavelmente. Mas, dali, podia ver todo o ambiente. 

   Algumas vezes ela o surpreendeu olhando-a preparar o tal molho vermelho. Abriu, a pedido dela e com perícia, a bebida dos deuses e aceitou uma taça oferecida do Los Vascos/2011, um vinho chileno.
  
   Tereza não atreveu perguntar por onde andava desde então. Não fora preciso. Tomé começou a falar de seus trabalhos, de suas viagens. Contou muitos casos. Ela só escutava. Saboreava o tinto enquanto seus olhos viajavam pelo homem que ela tanto amou. Ele continuava falando. Só não falou daquilo que Tereza não gostaria de ouvir.
  
   Ela sempre admirara sua inteligência e sua cultura. Sabia que o inverso era verdadeiro. Notou, surpresa, que ele repetiu o prato servido e a acompanhou numa segunda garrafa de vinho.

   Tereza continuava calada. Observara que Tomé também envelhecera. Agora estava muito parecido com o pai. Ficaria ali, olhando-o e escutando-o por toda a eternidade. 

   Já pela madrugada, ela interrompeu a conversa lembrando-lhe  do trabalho no dia seguinte. Então arriscou a pergunta: 

   -“Você viu que tenho duas camas no quarto. Arrumo uma ou as duas?”


   Tomé olhou para o nada e respondeu: 

   -“uai sô, não carece de tê trabalho dobrado e tá fazendo muito frio”. 


   Entretanto Tereza e Tomé não dormiram naquela noite. Pela manhã ela preparou um gostoso café. Nos conformes. 


   A seguir se despediram. Cada um fora para sua cidade. Tomé certamente continuou sua vida naquilo que não contou. 


   Tereza lamentou que eles, nos seus quarenta anos de história, tivessem escolhido direções tão iguais e sentidos tão opostos.


   Apenas desejou que ele voltasse.



2 comentários:

  1. Adorei o texto, parabéns pela iniciativa. Já estou esperando para ler os próximos contos!!

    ResponderExcluir
  2. Adorei!
    Me identificando com "Tereza"! !...Rsrs

    ResponderExcluir