terça-feira, 11 de novembro de 2014

PROSAMOROSA



                     ... DESCONSTRUINDO O CASTELO DA BRUXITA


Tenho um amor às escondidas de mim.
Um amor suave e intenso que também se esconde de si.
Fica na margem, me observando ao longe, com medo da aproximação.
Ainda posso vê-lo ali, eu e meus preconceitos tolos e infantis.
Naquela rua de mineiros.

Éramos ainda duas crianças.
Ele a me olhar...
e eu a desdenhá-lo.
Sangue italiano jamais se misturaria ao sangue africano.
Assim era o dito do meu pai. 
Aceitei o interdito.

O menino foi embora e nem me dei conta de sua ausência.
O menino virou homem e voltou; 
nem percebi.
E, na sua valentia conquistada, me procura. 
Encontra meu pai.
Resiste. 
Insiste.
Encontro-o na porta. Nossos olhares se tocam...
Ainda posso me ver através do seu olhar.
Era toda encantada.
Naquele instante já não sabia mais de mim.
Difíceis tempos assombrariam minha vida.

Eu sobreviveria por um outro amor:
a medicina.
Laborioso engano.
Nossos encontros continuaram
apesar da distancia terrestre,
apesar da distancia sanguínea.
Os correios passaram a fazer parte das nossas vidas


E escrevia muitas cartas. E recebia outras tantas cartas.
Encontrávamos pelas estradas.
Meu amor crescia a cada dia.
Estava nele o que faltava em mim.
Até que um dia  uma carta decide os rumos:
"Não sei o que fazer... Só sei que vou mal nos estudos e na vida.”

Acho que fora a última carta que recebera dele.
Mais tarde contaram que ele se casara
e que fora estudar no Japão.
Nunca soube se isto acontecera na sua vida.
Mas para mim ele se fora.
No desespero decido também embrenhar noutro caminho.


Talvez a pior viagem da minha vida.
Ai encontrei um outro amor.
Juntei-me a ele e às suas incertezas.
Viveríamos em desvario por alguns longos anos.


Muitas vezes, na sobriedade, buscava a delicadeza daquele das cartas.
No desespero tomei forças e  procurei.
Ele veio e escutou.
Então chorei o tempo da ilusão.


Algum tempo depois
Meu pretenso amor e companheiro se vão
Sobrou meu corpo que ora caiu.

Chegou o tempo da reconstrução.
Ao levantar outro amor se anunciou.


Um casamento no já adiantado da vida.
Muito amor, muita liberdade, nenhuma lei
Vida à deriva.
Mais uma vez o amar não sustentou o viver...
Chegou o instante do fazer,
Alar os filhos foi o tempo devido.

Agora me recolho para,
mais uma vez, começar de novo.
Então, no devaneio, vem a incompatibilidade sanguínea.
Meu primeiro amor que, sabidamente, não está no país das gueixas.
Esse homem que acolhe um convite e vem me encontrar.
E me ama como se tivéssemos ainda no tempo das paixões.
Outros rumos tomou na vida,
certamente perdido na interdição de outro homem:
Um pai dos olhos azuis e dos cabelos louros.
Uma grande altivez e uma úlcera no estômago
a lhe interditar os desejos.

E eu cá entre dois homens,
dos corpos interditados.

Faz-se a hora da desconstrução    


Março / 2014

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