quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ZÉ "O GÊNIO"


    
                            ZÉ "O GÊNIO"

Todos os irmãos de minha mãe moravam naquela cidadezinha, exceto um tio que eu não conhecia e que morava com a esposa e as filhas em Mariana. Ouvia dizer que ele se casara muito jovem. A moça era uma professora lá dos Pinheiros Altos, terra da pedra sabão, aquela usada por Aleijadinho para esculpir os profetas de Congonhas e tantos outros.

Minha mãe vivia muito adoentada e eu me lembro pouco dela. Mas não esqueço das noites frias em que ela esquentava tijolos no fogão a lenha para aquecer nossas camas. Eu dormia com minha irmã mais velha do que eu apenas um ano. Ela era linda. Era mais franzina do que eu e sempre sabia de tudo e, para tudo, tinha respostas na ponta da língua. Eu ficava a olhá-la. Era a preferida do meu pai. Certamente eu sentia muitos ciúmes e queria ser igual a ela. A asma não me permitia segui-la em suas aventuras. Restava-me olhar. E como eu olhava.

Éramos quatro filhos, Felício com oito anos, Joãozinho com sete, Lia com seis e eu com cinco anos. Ainda não sabia de uma outra irmã mais velha. Ela morava na cidade grande com uma tia, sua madrinha.

E como éramos felizes. Nesta época nosso pai já havia conseguido um trabalho na coletoria do estado. Não sabia o que era isto, mas parecia que era muito importante. Minha mãe era uma pessoa muito querida por aquelas bandas. Era a primeira filha de um fazendeiro de prestígio na região e neta de um imigrante italiano.

Minha avó, mãe da minha mãe, nos visitava sempre, isto quando nós lhe dávamos tempo pois vivíamos em sua casa. Não entendia a preocupação dela com minha mãe. Por uns tempos passou a vir mais vezes em nossa casa. Estaria minha mãe adoentada outra vez ? Pensava eu.

Então, numa manhã, acordei com grande alvoroço na minha casa. Gente entrando, gente saindo e ninguém falava nada. Minha mãe presa num quarto. Silêncio total.

Minha avó e umas parentas mostravam-se muito preocupadas. Meu pai fumando um cigarro atrás do outro e com sua costumeira posição de segurar o estômago com a outra mão. A úlcera devia ter atacado de novo. Parecia nervoso.

Eu, grudada na minha irmã. Como sua sombra.

E mais pessoas chegando em nossa casa.

Mandaram chamar o Tio farmacêutico da minha mãe. Conclui que, deveras, minha mãe estava muito doente.

Muita confusão. Eu a olhar. Parecia que as pessoas estavam aflitas.

Desespero total.

Acho que eu chorei muito.

Ficava ouvindo o barulho dos passos daquela gente nas tábuas da sala da minha casa.

De repente uma trégua seguida de um suspiro. A alegria tomou conta de todos.

Minha avó sai do quarto onde estavam com minha mãe. Chama meu pai e diz que nascera um menino.

Que menino ?

Era mais um irmão que nascia. Então a doença era um filho...

Passados os primeiros tormentos escuto uma pergunta:

-" que tal o nome de Eugênio ?"

Pediu, piedosamente, minha avó. Seria uma homenagem ao Papa Pio XII. Ele também era italiano e morrera havia poucos anos. Seu nome era Eugênio Pacelli.

Meu Tio Padre, irmão da minha mãe que, até agora só ficara rezando suas orações em latim, concordou, desde que viesse acompanhado pelo nome de José. Deveria honrar o patriarca da Sagrada Família.

Meu pai aceitou tudo.

Ganhei um irmão com um nome muito esquisito, José Eugênio. Eu e Lia, minha irmã, logo queríamos conhecê-lo mas nossas entradas foram barradas. Diante de nossa insistência meu pai, sempre encontrando boas saídas, deu-nos umas moedas e pediu que fôssemos comprar uma chupeta para o menino.

Saímos felizes com aquela tão distinta tarefa. Foi um passo lá e outro cá.

Quando voltamos encontramos todos em volta de minha mãe. O que teria acontecido? Cadê meu irmão?

Para nossa surpresa ele estava sozinho naquele berço que já fora de tantas outras crianças. Meu irmão era muito pequenininho. Nem tinha forças para abrir os olhos. Eu e minha irmã ficamos ali a cuidar do mais novo membro da família.

Mas, por sorte daquele que acabara de nascer, chegou meu pai e deparou com a carinha dele toda suja de uma massaroca branca. Vai logo limpando e nos pergunta o que havíamos feito.

E foi, no seu primeiro dia de vida, que aquele menino mineiro comeu seu primeiro pedaço de queijo.

- " Na venda não tinha chupeta..."


18/09/2014

Um comentário:

  1. Bem bacana, fez-me sentir com os sentimentos de criança, na inocência, nos suspenses e na finalização tensa e cômica.

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