terça-feira, 24 de novembro de 2015

O INSUSTENTÁVEL PESO DO SENTIDO




   Sempre foi assim com os amores de Clara. Ela acabava sofrendo as dolorosas consequências de suas atitudes intempestivas e impensadas.
  
  Desta vez, sentindo que os pés estavam mais firmes no chão, decidira por aquele encontro. Embora nunca houvesse visto aquele rapaz com olhos de desejo, embarcara nas poucas palavras ditas na mansidão desejante daquele.
  
  Mais uma vez ela se encantara com a possibilidade de um novo amor. Avaliou as grandes diferenças, avaliou o que viria após, avaliou o risco de uma negativa. E lá se foi ela convencida das possibilidades e certa das impossibilidades. A balança dos pós e dos contras equilibrou-se. Logo estava decidida a ir em frente.
   
   Wellington era um belo jovem. Corpo atlético, pele morena e um caminhar descontraído. Filho e pai zeloso. Sempre presente às consultas pediátricas do filho e atento às orientações da médica. Preocupado com o enorme calendário de vacinas e, depois, com o acompanhamento escolar. 

   Nesse tempo acabara de sair do casamento com a mais bela mulher que havia visto até então por aquelas regiões. Não entendera a decisão súbita da amada. O casamento findara sem explicações dela, ressentia ele.

   Vangloriava o fato de ser um trabalhador honesto e querido da empresa. Cheio de amigos e de responsabilidades para com o futebol do bairro. Era o goleiro do time dada sua estatura e sua agilidade. 

   Clara foi juntando as frases soltas que ele falava. Como peças de um quebra-cabeças. Sabia que as peças principais jamais seriam encontradas. E fora isto que ela ouvira dele quando, num arroubo de ousadia, o convidara para dividirem uma pizza. A pizza, que acabara por virar um ravioli no apartamento dela, trouxera momentos apaixonantes e atrevidos.
   
   Outros encontros vieram. E trocas de algumas palavras virtuais. Nada mais. Clara, já com uma longa caminhada pela vida, esforçou-se para não perder o rumo do que ainda planejava para si. Tentava a todo custo manter-se dentro dela. Impossível. Já havia sentido o enodamento ao suposto amor do parceiro. Wellington sabia de sua conquista. E sabia de seu encanto. Certamente mais uma mulher no rol de sua contabilidade.
   
  Clara nunca entendeu porque agia daquela forma. Perdia-se de si e vivia no outro. Logo uma dor profunda ia consumindo seu corpo e tomando conta de seus pensamentos. 
  
   Após alguns encontros, mais uma vez, seu príncipe encantado se fora. E, no lugar, apareceu o desencanto do amor fugaz. Ela não o procurou. Nem ele teve a delicadeza de um adeus.
  
   Entretanto desta vez ela não chorou. Levantou a cabeça, sacudiu a poeira e deu volta por cima. Aquele breve encontro trouxera-lhe a juventude que ela julgava deixada para traz e a certeza da chegada de outros amores. 

  Clara se permitiu reconhecer a importância de Wellington em sua vida naquele dado momento. Não decepcionou com o parceiro nem fez julgamentos éticos ou morais. Então veio-lhe a lembrança de um romance lido quando ainda bem jovem: "A Insustentável Leveza do Ser". Este era o nome do livro cuja história de encontros amorosos se passava na cidade de Praga no ano de 1984. Impossível esquecer o impacto que tal romance produzira nela.

  E entendeu a partir daquela lembrança, que sempre haverá um contrapeso para sustentar a caricatura de cada um. E Clara tinha a face da solidão. Por isto a escolha daqueles que, sabidamente, iriam desaparecer.  Não sem muito sofrimento para ela.

  Wellington também tinha sua caricatura. E esta, certamente, era o avesso daquela de Clara. A cortesia.
  
  E por isto se deram tão bem naqueles breves e excitantes  encontros. Apenas para logo se afastarem.

  Entretanto o amor vivido, pensara Clara, este permanecerá para sempre neles como marcas no corpo.


 HGV, meia-noite de 12/11/2015



3 comentários:

  1. Amores que veem nos dizer de algo... algo sobre nós... lembrar nos de que estamos vivos e que podemos sempre renovar.

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    1. Obrigada Claudia, acho que Clara tem toda força e sabe disto. ela sabe também que todo amor ´um risco,um traço. Um abraço

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  2. De como assumir-se dói mas tem seu encanto.

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