sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Crônica: Uma cuba libre por favor

   E comecei a ler uma nova trilogia cujo primeiro volume, escrito sobre a desventura de um órfão londrino, nascido numa Inglaterra devastada pela fome, por desastrosas condições climáticas e pela peste. Era o ano de 1020, “ano de satã” como fora chamado. Não consegui desviar os olhos daquele primeiro livro, “O Físico”, até muito tarde da noite. Uma taça de um bom vinho seco ao lado e o frio lá fora. Histórias da Inglaterra sempre me seduziram. Mas, ontem fui convidada para uma cerveja com velhas amigas da cidade. Não tive coragem para recusar embora o desejo fosse voltar para minha casinha e me debruçar sobre o livro. Acabei indo e dando carona para duas delas. A terceira não foi. Disse que estava cansada. Lamentamos.

   Onde ir? Já não saía em Betim há mais de dois anos. Aventuramos uma nova casa velha que virou um aconchegante lugar. Uma “Comedoria”. Bem recebidas e instaladas começamos a colocar em dia as nossas conversas. Cerveja japonesa e um prato de quibes da casa. Eu ainda na água. Não aprendi a apreciar as cervejas. E eu era a motorista da noite. Mas uma cuba libre me fez muito bem. Maíra me ensinara a tomar aquela bebida e a escolha fora em homenagem a ela pois sempre a vi pedindo a tal cuba. Ivone acompanhou-a na cerveja. E Duarte's Comedoria brilhou nos drinks e nos demais serviços.Voltaremos lá.

   Nossos assuntos, proibidos para menores de sessenta anos, foram recheados de alegrias e nostalgias e, ainda muitos aprendizados. Os filhos eram presença constante em todos eles. Meu amigo sono logo chegou, afinal estava de pé desde as seis horas da manhã. Vamos embora? Então aceitei ficar por aqui e dormir na casa de uma delas. E os assuntos continuaram. 

   Acordei com o silencio do lugar e com o costume de sempre. Durante o delicioso café da manhã em companhia da família, tive a felicidade de ver um pica-pau numa árvore próxima. Fotos foram feitas e foram viajar pelo mundo via Facebook. E logo um amigo exortou a beleza desse “Colapites campestris”. O fotógrafo soube aproveitar bem sua luxuosa máquina Canon. Sai dali querendo ficar, mas a sensação de estar demais foi maior.

   Ir até minha casa e voltar para o trabalho à tarde seria desnecessário. Quero escrever agora. Então venho para meu lugar e ensaio a escrita. Na verdade, queria mesmo era ficar conversando com os colegas recém encontrados, via WhatsApp, vulgo Zapzap, e me deliciar com tudo. Há menos de uma semana algumas colegas de Juiz de Fora, tiveram a brilhante ideia de criar o grupo dos formandos em medicina no ano de 1981. Éramos cem. E hoje, menos de uma semana  do tal dispositivo, já somos muitos querendo falar e lembrar daqueles anos de glória. Lembranças de fatos pitorescos, descobertas dos escritores da turma, dos cozinheiros, dos amantes de plantas- suculentas? - fotos atuais, apresentação dos filhos, netos e demais familiares. Lamentos pela morte de sete colegas e trinta e cinco anos de muito o que saber e dizer. De alguns eu não lembro. A turma era dividida, por ordem alfabética, em turmas, que circulavam nas disciplinas teóricas e práticas. Obviamente Marias e Marcos ficamos mais próximos. E fui, honrosamente, convidada e efetivamente madrinha do casamento de uma das Marias com um dos Marcos, meus grandes amigos ainda nos dias atuais, embora não nos vejamos há muitos anos.

   Aqueles anos fizeram parte dos negros anos da ditadura e eu vinha de uma cidade do interior, mais próxima de BH do que do RJ e isto fez toda a diferença. Eu falava dos “bulinhos” deliciosos que minha mãe fazia e logo vinham as brincadeiras. Ali se falava “ bolinhos”. Estudava na “Academia” e ali se falava “Acadimia”. Eu não acertava nas palavras. E meu jeito de ser me fez recuar diante da turma. Envergonhada, me tornando mais calada e me isolando. 

   Entretanto ganhei muito com minha defesa diante daquilo que eu achava ser um deboche. Passei a escutar mais e foi então que me vi diante do brilho de uma turma amiga, inteligente, lutando contra o regime militar e construindo uma turma de medicina que marcou época. Sou eternamente grata a todos que riram da minha linguagem caipira e a todos a quem eu soube escutar.

   Se, por um lado, os anos foram escuros na política, por outro eu me impus uma ditadura de costumes com severas restrições financeiras. As vacas estavam muito magras por aqueles tempos. Voltaram a ficar magras nestes tempos de agora. Também escuros e também indesejáveis.

   Fiquei vagando pelos tempos de ontem e de agora para dizer que dois fatos me emocionaram nas conversas virtuais com a turma de Medicina UFJF-1981. Uma foto minha ao lado do colega que me enviou a mesma, vestida com a beca no dia da colação do grau médico. Depois de trinta e cinco anos, foi a primeira vez que me vi fotografada naquele dia. O outro fato foi ler a mensagem de um colega que dizia lembrar do meu sorriso. Eu jamais imaginaria que, daqueles seis anos, eu seria lembrada por um sorriso. 

  E eu estava muito feliz dentro daquela roupa de formatura.

   

04/08/2016




Um comentário:

  1. Bom dia escritora. A manhã no Açude nasceu, novamente, tranquila. Bom ler um conto em que, de certa maneira, participamos como personagens. Escrever é preciso, publicar, como em seu blog, é necessário.
    ghiaroni rios

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