terça-feira, 14 de novembro de 2017

JCR




Jamais esqueci da minha colega de faculdade. Joana da Conceição Resende. Era a pessoa mais esquisita que eu já havia visto. Estatura baixa, cabelos negros, encaracolados e grudados na cabeça, pele facial coberta de acne, óculos fundo de garrafa, gestos manuais lentos e despropositados. Nunca soube porque me aproximei dela. Ou fora ela quem se aproximou de mim? Tornamos grandes companheiras além da faculdade. De um dia para outro ela já frequentava a república onde eu morava ainda no início dos longos anos do nosso curso.

Ela ia às aulas, apenas. Ouvia os professores e voltava para casa. Sem livros ou cadernos de anotações.

Depois descubro seu fascínio pelos livros de bolso e passamos a ler até três deles por dia. Eu amava os mocinhos do faroeste e ela li todos. Ainda hoje lembro de um deles: “O Homem que só falava Por Quê”. Romances, ficção, policiais, detetives. Enfim todos. Acho que era nosso jeito de sobreviver a tudo que passávamos naquela época. Assim vivíamos em outro mundo. E cheias de fantasias.

Minha colega sempre andava sozinha ou atrás de algum grupo da nossa turma da sala. Então soube que ela não enxergava quase nada e, indo atrás, ela sentia os tatos e ouvia os sons dos nossos passos.

Joana então já era nossa amiga. Mas continuava com seu estranho jeito de ser. Era de uma cidade do interior bem próximo à cidade onde eu havia nascido. 


Depois de uns tempos começou a abusar da bebida alcoólica. Soubemos então que o pai assassinara o vizinho que vinha molestando as filhas menores com atos libidinosos da janela de sua casa, ao lado. Nunca perguntei o que realmente havia acontecido. Em respeito à sua dor. Acompanhei-a no julgamento indo para o interior com ela. Acho que ele fora absolvido em primeira instância. Mas não lembro. Lá se foram quatro décadas.

Toda a imensa turma de cem estudantes logo reconhecera o jeito estranho e a genialidade da colega. E junto com o reconhecimento viera a admiração e o respeito. “Ela nem abre um livro e tira as melhores notas”, diziam uns. “Pergunte para a Joana, ela sabe tudo isto”, diziam outros.

Até que a colega fora morar conosco embora eu continuasse achando seu jeito muito estranho. Parecia de outro planeta. Não agradava os professores aquela falta de jeito.

De um dia para outro resolvera trancar o curso. Fizera concurso para o Banco do Brasil. Aprovada fora trabalhar no sertão da Bahia, longe de escolas de medicina.

Um tempo depois ficamos sabendo que Joana conseguira transferência para Salvador, que voltara a fazer o curso e que casara com uma atriz de teatro. Tudo muito claro.

Perdi o contato com minha amiga, entretanto jamais esqueci do dia do seu aniversário e, em todos os dias 4 de dezembro, agradeço a ela a oportunidade do convívio.

Depois disto botei na minha cabeça duas coisas: sagitariano é pura intelectualidade e nobreza, e a eterna gratidão por tudo que aprendi através de JCR.

Novembro de 2017

Observação: esta escrita fora feita a partir da sugestão do "dever de casa" da Oficina de Literatura para que escrevêssemos acerca de uma pessoa do signo de sagitário.


Nenhum comentário:

Postar um comentário