quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

“Aquela que não hesita está perdida”*

 (Delicadezas em tempos de Coronavírus -XXXV





Efigênia encontrou a frase num dos últimos livros que leu. Não gostou tanto do enredo do mesmo embora tenha gostado muito da forma como a autora conduziu os diálogos. A frase ficou na sua cabeça. Ia e vinha e a frase a acompanhava. Aquilo lhe tirou o sono por algumas noites.

Será que, se tivesse hesitado, teria tido uma vida melhor? Teria conseguido caminhos menos tortuosos?

Passou a lembrar do fato de ter sido tão afoita nas suas escolhas e decisões ao longo da vida. Suas inquietações não teriam lhe dado tempo para hesitar? Ia. Só ia... E sempre foi só. Não olhava para os lados nem para trás. Era preciso andar para viver. Ou foi preciso viver para andar?

Efigênia escolheu sua profissão. Não hesitou na escolha. Não haviam tantas escolhas no seu tempo. Depois não conseguiu exercê-la. Mas conseguiu fazer dela um degrau para licenciar-se como professora de física e matemática.

Casou com aquele que amou embora ele já tivesse dado provas de que não seria um bom companheiro. Não hesitou. Estava apaixonada. O casamento durou o tempo para dois filhos, muitas desavenças, traições e um desfecho litigioso. Ela continuava amando o marido que, a seguir, casou-se com outra. Fechou-se dentro de si, de seu trabalho e de sua casa. Cuidou e protegeu os filhos como uma leoa.

Outros homens apareceram e, sem hesitar, Efigênia caía de amores e logo se via, novamente, em maus lençóis. Sofria toda vez que era deixada ou trocada por outra. Amasiou com a tristeza e a solidão. Não sabia ser diferente.

Depois que leu a maldita frase no livro famoso ficou atordoada. E se tivesse hesitado em tudo na sua vida? Concluiu que aquela que hesita não se encontra e que ela, de alguma maneira, havia se encontrado. Deu-se conta que era assim: inquieta, sonhadora, guerreira, maternal, amante.

Lamentou aqueles que hesitaram e a perderam.


Conselheiro Lafaiete, 3 de fevereiro de 2021.

(*) Frase do Livro "O Conto de Aia" - Autora Margaret Atwood

Observação:
Este texto foi construído em resposta ao provérbio árabe que diz "A primeira vez que me enganares, a culpa será tua; já da segunda vez, a culpa será minha" sugerido pelo meu mestre da Oficina de Escrita


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