quarta-feira, 27 de julho de 2022

Conto: Marias Meninas Contemporâneas

 



A tão anunciada festa de rodeios aconteceria no próximo final de semana. Toda a cidade estava em polvorosa. O prefeito não economizou o dinheiro, afinal tudo vinha do fundo perdido do caixa municipal. O controlador da casa que inventasse um meio de esconder as falcatruas do “caixa 2”. Seus eleitores queriam aqueles cantores e duplas sertanejas e assim seria. Que se danasse o erário público. Pois assim aconteceria a grande festa esperada a cada ano. Tudo conforme seus eleitores, ou não, desejavam.

Estela estava ansiosa esperando por tal festa. Ela e suas amigas haviam combinado várias extravagâncias para as noites do rodeio. Entre bebidas e baseados iriam escolher os parceiros para cada noite. As apostas foram feitas entre elas. Quem ficaria com quem. Tudo posto e decidido lá foram elas executarem suas tramoias. E nada saiu fora do previsto. Noitadas regadas a muita vodka, cervejas, drinks coloridos, pó e o charmoso cigarrinho de baseado nos finais das noites. Ainda bem que as mães jamais imaginariam que suas “filhas de Maria” fizessem tais disparates. Pois elas faziam e já não era de hoje. Margeando quinze, dezesseis e dezessete anos, as meninas já haviam entrada no mundo das alucinações até mesmo pelo temível LSD.

Nas manhãs seguintes lá voltavam elas em perfeitas condições de meninas de família. E assim se deram por três noites seguidas. Na semana seguinte tudo voltava aos seus devidos lugares. Estudantes da bíblia na célula na casa de uma vizinha que sabia tudo do antigo e novo testamento. Aquilo deixava as meninas enfaradas. Mas era assim que deveria ser para que as mães jamais suspeitassem do que aprontavam em noites de rodeios.

Entretanto neste ano, depois de duas semanas dos acontecidos nas noitadas, Estela observou que sua menstruação não descera. Pensou que nada lhe aconteceria uma vez que “usei o ´preservativo direitinho”, comentou ela com uma das amigas.



Aos dezesseis anos Estela sonhava em seguir a carreira de modelo. Já havia sido convidada para algumas fotos de propaganda e a mãe fora junto. O rosto delicado, os olhos amendoados, os cabelos pretos e lisos, eram perfeitos para os anúncios de uma empresa da cidade grande. Agora o sangue não mensal não veio e a menina começou a preocupar-se. Procurou uma farmácia e comprou umas pílulas recomendada pela amiga mais sabida. Nada. Comprou o teste da urina. Positivo. Estava grávida. Estela perdeu o sono. Muitos pensamentos começaram a povoar sua cabeça. Lembrou das palavras da vizinha afirmando que aquelas que saíam dos preceitos da bíblia estavam destinadas ao inferno. Lembrou do caso contado na TV da menina que fez aborto clandestino e morreu de infecção. Uma das amigas contou de uma conhecida que havia tomado remédio para cavalo e morreu uma semana depois com hemorragia no útero. Viu-se caindo nas chamas do inferno. Viu-se perdida para sempre.

Já havido passado mais de um mês quando Estela, desesperada, resolveu procurar uma professora de quem gostava muito. Contou-lhe tudo. Nem sabia quem era o pai. Diante da negativa de Estela de contar para a mãe, a professora lhe levou a uma ginecologista. Gravidez comprovada, dez semanas de gestação. Explicações dadas sobre o aborto legal permitido no país e as orientações da médica respeitando a decisão que caberia tão só à menina. Mas os pais teriam que saber e acompanhar a filha e o caso deveria ser comunicado às autoridades legais.

Estela voltou para casa numa tristeza imensa. Sentiu que seus poucos anos de idade não eram suficientes para a tomada de decisão que a vida lhe impunha. Entretanto tomou uma decisão muito além do que se podia esperar. Contou às amigas. Queria saber com quem havia ficado naquelas noites. Procurou os rapazes, contou o acontecido e pediu ajuda. Gostaria que fizessem o teste de DNA para saber quem seria o pai e o que ele pensaria acerca do fato. Se não concordassem ela faria B.O.

Sem alternativas eles aceitaram e fizeram todos os testes protocolares. Com apoio da professora e do serviço de saúde tudo fora feito dentro das leis e em absoluto sigilo, conforme combinado com os rapazes.

Para surpresa de Estela, da ginecologista e dos rapazes, os DNAs foram incompatíveis com o DNA do feto. A menina voltou para casa ainda mais arrasada. Só então percebera que a mãe também estava muito alterada. Estela entrou para dentro de seu quarto e chorou. A mãe entrou devagar, com lágrimas nos olhos e disse:

- “Esse bebê na sua barriga é do seu pai. Ele aproveitou que você estava havia chegado desnorteada naquela noite do rodeio e, enquanto dormia num sono muito profundo, ele abusou de você. Quando dei por mim já havia acontecido. Ele me ameaçou de morte se eu contasse prá alguém”.


Fotografia: arquivo pessoal (presente de Lucélia Ganda)



26/07/2022

 

 


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