quarta-feira, 30 de abril de 2014

TIÃO, UM COPO D’ÁGUA E UM CELULAR

Noutro dia de plantão em urgência psiquiátrica eis que nos é levado pela policia militar um sujeito  encontrado  sozinho numa praça pública do centro de  Belo Horizonte.
  
Os policiais nos relataram que o “elemento” procurara o posto policial pedindo socorro de modo desvairado, não conseguindo dizer o que estava acontecendo para deixá-lo daquele jeito. 

Suspeitando que se tratava de mais um louco nas ruas da cidade, a PMMG o encaminhou até o hospital público onde trabalho para que fosse atendido.

Então chegou até nós um homem de, aproximadamente, cinquenta anos, vestido com simplicidade, muito falante e extremamente inquieto. Falava, andava, levantava os braços, se irritava quando alguém tentava abordá-lo, repetia o que ninguém conseguia entender e se irritava ainda mais quando percebia que não se fazia entendido.

Depois de muito vai e vem, de muito  nervosismo, de braços estendidos para cima, ora no alto da cabeça, ora na cabeça, consegui entender sua historia: ele entrara num bar e pedira um copo d’água, sendo logo atendido.  Então bebera a água. 

A seguir passou-lhe pela cabeça que a tal mulher,  ao virar de costas para providenciar seu pedido, teria envenenado a água.  A partir de então ficou desesperado. Precisava  que um médico lhe dissesse se iria morrer ou não. Repetia essa história com o desespero da  proximidade da morte .

Tentei  tranquilizá-lo; sem sucesso. Nada demovia dele a ideia do envenenamento e a expectativa da morte.

 - "Vou telefonar para  meu irmão..." 

E foi logo pegando seu celular e começando novamente seu relato desorganizado de envenenamento e de  morte.

Neste momento, percebendo que ele falava com alguém ao telefone, pedi seu celular, dada a importância de localizar um familiar.  Contra sua vontade e relutando em não me emprestá-lo, finalmente me entregou o aparelho .

- "Desliga logo esse celular e me ajuda pelo amor de Deus..."

Era ele e seu desespero.

  Ao tentar desligar, apertei uma tecla e apareceu uma luzinha no tal do aparelho. Ele, ainda mais nervoso e irritado, começou a esbravejar:

 - "Agora ocê apaga ...Vamos! Apague! Quem mandou mexer..."

E eu não conseguia desligar o foco de luz  e mexia daqui e dali e o moço esbravejava e se irritava  até que eu lhe disse :

 -Toma  ai ...eu não sei desligar isto não!

Tião parou , me olhou e disse:
  
- "Você é médica e não sabe nem desligar um celular ?"

 - "Não sei não...  Disse-lhe  eu."

Tião olhou para mim; parou subitamente, sorriu  debochadamente  e aquietou-se.

Então,  foi possível ajudá-lo.


Um comentário:

  1. Adorável esse conto.A Eliane pediatra está lendo,gostndo e quer mais.Estou aguardando hoje mais um conto.Valeska.

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