terça-feira, 26 de agosto de 2014

UM HÉLIO NA MINHA ESTRADA



As meninas não acordaram na hora combinada para o café da manhã. Estavam indo para Ouro Preto. Era a primeira vez que minha filha convidara duas amigas para dormirem no sítio.

Devo explicar mais uma vez que não se trata senão de um pequeno terreno, um chalezinho, um jovem angico, um jatobá também em crescimento e cinco pés de ipês, o mais antigo deles estará todo florido daqui uma semana. Será um grande espetáculo com o qual a natureza me presenteará neste final de inverno.

Elas vieram comigo. Foram ao Inhotim e voltaram para saborear a lasanha de molho branco. Não sabia que, há dois dias, havia sido aniversário da amiga alemã e que todos os anos ela vem pedindo à sua mãe que lhe faça tal especiaria. Ela saboreou o prato com gosto. Não agradeceu, coisas de alemães. Mas sorriu e falou, em inglês, que comeu muito, mas que a lasanha olhava para ela pedindo que ela comesse mais. E ela comeu mais.

Fiz um mapa para o trajeto da viagem embora minha filha já tenha feito este percurso comigo. Na época estava contrariada porque não gostaria de fazê-lo. Colocou fone nos ouvidos e fechou os olhos. Perdeu a bela paisagem das montanhas de Minas.

Hoje perdeu também o caminho ensinado e foi parar em outra cidade, em sentido oposto ao desenhado e explicado. Perdeu tempo e gasolina mas ganhou na vida.

Telefonei para saber se haviam chegado bem e a outra amiga, paulista, atendeu e informou que estavam em São Joaquim de Bicas, em direção a Igarapé. Não sei como foram parar por lá. Ouro Preto está a leste e tais cidades a oeste da região do meu sítio. Tudo bem. Ainda aprenderão.

O caminho ensinado e desenhado é um atalho que liga a BR 381- Fernão Dias à BR 040- em direção ao Rio de Janeiro, bem próximo ao trevo para Ouro Preto. Portanto corta a Serra do Rola Moça passando por alguns distritos de Brumadinho, com paisagens de perder o fôlego.

Lá se foram elas. Fiquei sozinha com muitos textos para estudar, com meus cachorros, galinhas e muitos passarinhos beliscando as comidas de passarinhos.

Ainda não comecei a ler o que devia, embora ontem tenha avançado bastante nas leituras. Então lembrei das muitas viagens que fiz na minha vida e que pretendo ainda fazer.

Houve um tempo, em que ainda não havia terminado meus estudos em Juiz de Fora, mas já namorava a possibilidade de continuá-los em Belo Horizonte. Então vivia para cá e para lá, sempre com dedos apontados nas direções desejadas.

Nunca fiquei nas estradas. Mas passei por alguns apertos. Meus pais jamais souberam deles embora sempre contasse outras verdades.

Hélio. Era esse o nome que de repente passaram a chamar os motoristas que me davam caronas. Assim foi uma coincidente sequencia de seis Hélios. Mas foi o último deles que marcou as muitas histórias das minhas viagens.

Não me lembro onde eu estava a pedir caronas quando esse tal Hélio parou e eu, sozinha, entrei no carro. Só lembro que meu destino era Belo Horizonte. Ele ficou calado o tempo todo e eu a observá-lo.

Era um homem jovem. Bonito. Pela aparência e vestuário parecia um homem rico. Eu viajava na poltrona ao lado uma vez que ele também estava sozinho. Notei várias latinhas de cerveja caídas no chão do carro. Ele estava alcoolizado. Fiquei receosa e amedrontada. O carro era possante e ele corria mais que o devido.

Eu, calada ao lado. Olhava a estrada. Desde sempre amei as estradas. Viajei comigo por todas as casas que escolhia pelo caminho. “É ali que quero morar” ou “ Quero uma casa igual aquela” ou “quero uma árvore daquela em meu sítio” e meus desejos e alternativas eram infinitos. Imaginava-me vivendo aqui e acolá.

Mas eis que esse Hélio freia repentinamente e pára o carro em cima daquela ponte imensa, alta, em curva, cheio de mistérios e que eu tanto amava. Bem lá embaixo o Córrego das Almas, fazendo limites entre as cidades de Itabirito e Ouro Preto. Inaugurado no ano do meu nascimento, 1957, pelo então presidente da república, Juscelino Kubitschek.

Estávamos sobre o Viaduto das Almas.

E ai ele desliga o motor e me diz:

-Saia do carro.

E eu saio do carro.

Ele ameaça:

-Vou te jogar lá embaixo!

Pois acho que nasci de novo...





Funil, 17/08/2014

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