quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

QUER CASAR COMIGO ?


                     QUER CASAR COMIGO ?                                     

Nessa ocasião eu já era uma mocinha e, portanto, deveria agir como tal. Vestidos decentes, cabelos presos, embora meus cabelos fossem compridos e lindos, eles não poderiam ficar soltos pois seriam provocativos. Posturas discretas e boca fechada. Assim me diziam que eu deveria ser. Ou seja, eu não poderia ser eu, apenas estar.

No tempo devido minhas férias chegaram e lá se foram nós para nossa terra natal. Haveria de ver muitos amigos e amigas e eu, nesse outro tempo, também estava interessada por aquele moço cuja voz eu jamais ouvira. Ele morava num sítio bem próximo à praça da minha pequena cidade. Ouvi dizer que ele havia ido trabalhar em São Paulo. Será que deixaria a mãe sozinha? Será que ele viria nestas férias? Será que ele gostava de mim? E eram muitas as minhas dúvidas. E nenhuma resposta.

A costureira havia feito um vestido que falava por mim. Era um tecido de crepe de algodão, que chamavam de “anarruga".  A estampa e o modelo eram “mamãe Dolores”. A novela "O Direito de Nascer" havia sido um grande sucesso na televisão e trouxera a famosa personagem com sua simplória indumentária.  Eu guardara aquele vestido para um possível encontro. Ele ficou muito lindo e eu fiquei muito bonita dentro dele.

Da ampla janela do sobrado, onde meu Tio morava, eu avistava toda a praça. Ficaria ali até ele chegar e, então, desceria e provocaria um encontro.

Ele não apareceu.

Minha prima mais velha do que eu, criada por este Tio, veio e me deu um recado. O Afonso queria conversar comigo. Ele era já um moço feito, com profissão, uma casa construída e terrenos e....sei lá mais o quê.
Lá vou eu. Na ausência daquele, chegou o outro. Eram primos e eu nem sabia.

Afonso era um belo rapaz. Educado, gentil, alegre, filho de boa família. Havia parado com seus estudos muito cedo e fora trabalhar. Conseguiu vencer na vida e, agora, queria se casar. Ele me falou belas palavras e razões de sua escolha. Eu ouvi, calada. Fiquei aturdida.

Entre a alegria do amor declarado e a tristeza da falta do outro, escolhi e cai no primeiro. Durante o resto de minhas férias fiquei envolta numa paixão que não era  minha.

Então voltei para o mundo dos estudos, das leituras e da minha rua.
Alguns dias depois uma carta chegou. Um pedido de casamento. Eu com apenas quinze anos. E agora?  Pensei, pensei e pensei. Então respondi ao meu pretendente dizendo de minha pouca idade, dos meus planos quanto aos estudos pois eu queria ser médica e do fato de eu não estar tão certa daquele amor. Aliviei minh’alma.

E a vida continuou. 

Até que, passados outros dias, cheguei em casa após minhas aulas e encontrei minha mãe e aquele minha prima que naquele tempo fora morar conosco para o curso de normalista. Estavam com caras de Madalena arrependida. Acuei e fiquei amedrontada.

Perdi o apetite.

Minha mãe me chamou para uma conversa. Repreendeu-me duramente por ter desfeito do rapaz, por ter recusado um pedido de casamento “daqueles” e de ter escrito uma carta desaforada. Mandou que eu escrevesse outra carta pedindo desculpas e aceitasse o pedido.  Minha prima, desde sempre muito católica e temente a Deus, havia feito aquilo comigo. Na certa era ela quem queria se casar.

E eu chorei pelo não entendido de nada. Eu nada sabia de noivados e casamentos. Sabia apenas do sentimento gostoso que me acometia quando pensava naquele outro que eu jamais iria ver.

Tentei  em vão escrever e pedir desculpas a Afonso. Nunca soube se ele me perdoou. Só sei que ficou ainda mais rico.

O tempo passou e eu não esqueci de Afonso. Lembrara dele com carinho e reconhecimento por suas conquistas na vida. Pedia a Deus que ele me esquecesse e que encontrasse uma moça merecedora de seu valor.
Mas da minha prima eu só lembrava cheia de raiva.

Meu lindo vestido continuou comigo. Acho que mamãe Dolores ficou do meu lado. Aprendi muito dentro de  seu vestido.

21/09/2014

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