quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A MENINA QUE ADOECEU





" Para toda criança, em especial aquela que mora dentro de cada adulto"
                                     

                                          A MENINA QUE ADOECEU

  Todas as tardes ela ia brincar com os irmãos na horta de sua casa. Ela adorava aqueles pés de chás que a mãe cuidava com tanto zelo. Eram muitos e ela viajava por entre aquelas plantas como se estivesse realizando investigações científicas acerca das propriedades de cura de cada uma delas.
  
  Havia dois pés de funcho que cresciam mais depressa que os outros. Lurdinha achava esquisito aquela planta sem folhas. Ele crescia com compridos raminhos que pareciam crinas verdes dos rabos dos cavalos. Se  esfregasse em suas mãos um pequeno ramo, sentia um cheiro forte e adocicado. Sua mãe dizia que o chá de funcho era bom para cólicas e para o  nervoso e fazia os filhos beberem aqueles raminhos  escaldados e adoçados  com açúcar ou rapadura. Era bom não queixar dor de barriga ou dor de cabeça senão lá vinha a mãe com os mais variados chás. Dizia que tudo era dos nervos.

  No meio do terreiro ficavam os pés de couve num canteiro e cebolinha e salsa em outro canteiro. Os chá ficavam na beirada do muro onde o pai de Lurdinha fizera um caprichoso canteiro. Ali havia tudo quanto era pé de chá. Losna para o estômago, transagem para dor de garganta, boldo para boca amarga e ele amargava ainda mais, confrei para não sei o quê e por ai afora. 

 Mas um desses pés de chá fora nascer sem ser plantado, encostado no muro do outro lado. Era um pé de fumo com sua folhas grandes e grudentas. Ela não gostava de passar perto daquele pé que só crescia. Se encostasse em suas folhas ficava com o braço melando como se estivesse passando mel de verdade. E, além do mais, a pequena grande árvore era muito feia e dava uma flor também grande e cor de rosa, parecendo um cálice. Dona Neuza dizia que aquelas folhas eram milagrosas quando escaldadas em água quente para banhar feridas e infecções.

  A menina vivia fazendo perguntas sobre aquelas plantas e suas serventias nos tratamentos.

  Um dia estava brincando com seus irmãos e um beija-flor deu de beijar aquela flor do pé de fumo. Lurdinha que naquela hora brincava com uma varinha de pescar, sem perceber, bateu forte no pequenino passarinho que caiu entre as folhas e ficou gravemente ferido.

  Será que dentre tantas folhas e chás de sua mãe, haveria um que pudesse curar o beija-flor ? Ela chorou muito. Mais ainda quando um dos irmãos repetiu o que ela já havia ouvido e não queria lembrar naquela hora. O dito era assim: "Aquele menino ou menina que matar um beija-flor não aprenderá a ler"

  E agora ? O que seria de Lurdinha ? 

  E o minúsculo passarinho morreu.

  Embora ela não gostasse de rezar mas sabia todas as rezas, rezou muito; pediu desculpas a Deus. Então decidiu fazer uma tumba como se o pássaro fosse um faraó egípcio, fez o enterro, depositou flores e chorou muito. Mas nada fez diminuir sua dor.

  Não dormiu nada naquela noite.

  Na manhã seguinte o irmão ficou lhe atentando o dia todo. Dizia que ela ia ficar burra, que não aprenderia nada na escola, que não iria saber ler estórias e que seria castigada de muitas maneiras. E Lurdinha adoeceu de tanta tristeza. Não queria comer, não queria brincar nem queira conversar mais.

  Numa noite em que a filha não conseguia dormir, Dona Neuza, que era uma mãe muito brava mas bondosa, disse que ela escutasse o piado da coruja à noite. E falou que esta ave é cheia de sabedoria. 

  Certamente a coruja já sabia do acontecido e poderia lhe ensinar as letras e encher seu coração de alegria

  Lurdinha dormiu e escutou o piado da coruja. Acordou com a mãe ao lado de sua cama. Seu pai havia lhe trazido uma flor e lhe deu um beijo. Ela levantou e pediu a ele que lhe ensinasse a escrever, afinal já tinha quase seis anos e iria para a escola em breve.

  Então a menina ficou atenta para desenhar as letras e, no final do dia, havia aprendido a ler e escrever duas palavrinhas: flor e beijo.

09/02/2015

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