quarta-feira, 2 de setembro de 2015

CORAGEM, FÉ E ASAS





    Há uma semana Mina acordou diferente. Não entendia o que se passava com ela e nem procurou saber do que se tratava. Entretanto, lá pelas tantas da manhã, percebeu algo estranho nas luzes do dia. De repente deu-se conta que havia colorido no ar. Uma alegria estampou em seu rosto e quis falar disto para alguém. Precisava contar a novidade, afinal estava escondida e isolada já havia três meses. Levava uma rotina de compromissos e agendas cheias, e nada a demovia deles. Agora, tomada de assalto pelas cores do mundo, abriu os braços e encheu os pulmões de um novo ar.

  Onde estariam as cores até então?  Por onde estivera sem que percebesse as matizes da natureza? Pensava ela com as idéias encaracoladas e amarradas frouxamente umas às outras. Não lembrava de nada que pudesse ter-lhe causado tamanho desânimo e tamanha falta de vontade com a vida. 

  E foi procurando as respostas que as lembranças dos últimos meses vieram desconforta-lhe o coração já tão envelopado e lacrado. Havia fugido de si. Escondera-se nos afazeres. Dormia tarde todas as noites e levantava-se ainda muito cedo. Era preciso ajeitar isto e aquilo. Nada podia faltar do que se incumbia no seu dia de vinte e quatro horas.

  Mas naquele dia ela quis ver as cores que apareceram sem que ela soubesse de onde haviam surgido. Simplesmente surgiram aqui e acolá. Quis adiar tudo. Tomou seu café, abriu a janela de seu quarto e voltou para cama. Não estava desanimada. Apenas queria sentir seu corpo até então amortecido e engessado por aqueles tempos.

  Com sua inquietude marcante, levantou-se novamente, ajeitou sua cama e fora trabalhar. O dia fora longo, pesado e cansativo dentro do que havia proposto para ele. Ao voltar para seu apartamento, instintivamente, enviou uma mensagem no celular para aquele amigo de quem nunca soubera nada. Também não sabia se o amava tanto quanto dizia amar ou se o amava naquilo onde ele era o avesso dela. Escrevera acerca das cores daquele seu dia. E enviou um grande abraço. Nada mais. Não esperou resposta. Não carecia da felicidade do outro. A sua já bastava.

  Tomou eu banho. Fez seu último lanche da noite. Brincou com Margarida, sua bela e companheira  gritante calopsita que logo acomodou-se em seu ombro. Como todas as noites lá se fora Mina aos seus estudos. Calculava que hora iria dormir. Dividia o faltante do tempo nos textos didáticos de seu curso atual e em literatura. Nesta ordem. Achava que a leitura dos escritores criativos lhe trazia um sono restaurador.

  Naquela noite lia Quincas Borba, de Machado de Assis, e se encantava com algumas descrições da cidade do Rio de Janeiro da segunda metade do século dezenove. Fora dormir no horário determinado com o perfume das rosas dos jardins de Sofia.

   Acordou com o som de uma chamada no seu celular. Não conseguiu identificar o chamador. Seria sua mãe? Pensou que tivesse lido o nome dela. Ou seria seu último namorado. Atendeu sem saber quem era. Era o destinatário de sua mensagem. Reconheceu-lhe a voz rouca. Ainda meio dormindo e meio acordada brincou na resposta "sou a Bela Adormecida". E dai ele não parou mais de falar. Ela sabia do tanto que ele gostava de falar e deixou-o falar. Até lembrar que estava em outro estado. Mas continuou falando ao saber que as operadoras dos celulares eram as mesmas e permitiam tais delongas. Disse que viria no dia seguinte para um trabalho e a convidara para um jantar. Iria busca-la em seu apartamento. Conhecia bem a cidade.

   Naquele resto de noite Mina dormira como uma adolescente. Afogueada. No dia seguinte levantou ainda mais cedo que o previsto e esperara pela faxineira. Aparecida notara a moça mais feliz que as semanas anteriores. As duas se juntaram no serviço das limpezas. Parecia que Mina limpava a si mesma. 

   A tarde chegou logo. À noite ela estaria pronta para o encontro. Gostava do estilo casual. Escolhera uma blusa colorida, com o vermelho predominando, tal qual estava seu dia desde ontem. Ela estava deveras feliz.

   Ele chegou na hora certa e lá se foram os dois como velhos amigos. Ou velhos enamorados? Conversaram, brincaram, riram, comeram. Estiveram juntos por quase quatro horas. Ela se esforçando para parecer casual. Já faziam dois anos que se viram pela última vez. Mas para ela sempre era uma primeira vez. Nenhum deles se atreveu ao convite para adentrar pela noite. Embora ela soubesse que esse era o desejo de ambos.

   Marcos deixou-a em casa e se foi. Não se tocaram. Ela, naquela noite não conseguira dormir. 

   Havia muitas perguntas sem respostas. Ou talvez ela soubesse delas. Dormiu na madrugada e acordou exaltada. Falara o dia todo. Não conseguia se conter. O amor deveria ser vivido, mesmo que fosse na exaltação.

   Outro dia chegara. Os pensamentos retornaram ao seu ritmo, acelerados mas dominados. Mina pensara que jamais estivera tão perto e por tanto tempo junto daquele homem. Por outro lado percebera que entre eles havia uma grande distância. Talvez um descompasso. Ou, quem sabe um estreito profundo? Havia mesmo algo que os separava. Concluíra dolorosamente que havia entre eles um abismo intransponível. Percebera que Marcos construíra em torno de si um aparato antiálgico, sabedor que era das dores dos amores. 

   Mina que pensara já ter chorado todo o seu pranto por aquele amor amigo, mais uma vez chorou. Muito. Entretanto seu pranto agora tinha uma causa. Ela chorou por um irremediável desencontro.


Funil, MG
02/09/2015













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