terça-feira, 15 de setembro de 2015

VIAGENS POR SÃO PAULO- SEGUNDO E TERCEIRO DIAS



                     SEGUNDO DIA


   Este era o dia de abertura do nosso Encontro Americano de Psicanálise. Minha amiga, Marina, naquela primeira noite, ficou olhando para o prédio do outro lado da rua, cujas luzes de todos os andares permaneceram acesas durante toda a madrugada. Eram grandes espaços por andar, sem divisórias, onde trabalhavam várias pessoas. Entretanto, à noite quase não se viam trabalhadores por ali. Arrisquei a hipótese de ser uma empresa com limpezas noturnas. 

  -"Mas é preciso estarem todas as lâmpadas acesas em todos os andares num só tempo?" Era ela com seu estilo ecológico em tempos de energia com altos custos e propagandas para economias do gasto da mesma.

  Pela manhã as luzes continuavam acesas, mas, agora, foi devido ao tempo nublado, escuro e frio. E eu que, enganada com a possibilidade de muito calor, não levara roupas adequadas àquele clima.

  Mesmo assim resolvi sair para uma caminhada. Fazia-se necessário estar comigo pelas ruas daquele Brooklin paulista. E lá fui eu. Não sai do passeio. Queria fazer contornos. Então encontrei um passeio que não acabava nunca. Quanto mais eu andava mais distante eu ia ficando do hotel. Voltar?  Jamais. Brinco com o fato de ter nascido sob o signo de câncer mas jamais andar de lado ou para trás. Sempre para frente. Numa grande  esquina, ainda em torno do tal terreno, deparo com cruzamentos de imensas avenidas e viadutos. Parecia que só eu andava a pé por ali. Comecei a ficar temerosa mas não parei. Minha pernas caminhavam num mesmo ritmo desde a saída. Aquilo parecia uma subestação de transmissão de energia elétrica como as que a gente vê por aqui da nossa tão grandiosa CEMIG.

   E cheguei na Av Das Nações Unidas. Estava em casa. Será? Decidi ir além da rua do hotel. Então deparo com belas praças arborizadas por centenárias espécies brasileiras e encontrei restaurantes aconchegantes.

  Voltei de alma lavada. Havia andado mais de uma hora. Agora era esperar para o almoço e a abertura do meu Encontro; afinal fui até São Paulo com tal propósito.

   Como não podia deixar de ser, muitas roupas bonitas, agasalhos de todos os gostos e cores e muitos echarpes argentinos. 

   Feito o credenciamento, assistidas as conferencias de abertura com o convidado especial da Argentina, voltamos para o hotel e de lá, ja no inicio da noite, para o coquetel numa outra localidade.

   E terminou esse segundo dia com champagne, salgados e  risoto de sei lá o quê.



                  

                TERCEIRO DIA

  Uma extensa programação nos aguardava nesse dia, mas minha grande companheira de congressos e de fugas de congresso, sugeriu passeios pela capital. Aceita a sugestão, saímos perguntando sobre a estação de metrô Berrini e os paulistanos nos responderam com gentilezas e certezas.
  
   Lá  fomos nós entrar naquele tubulão atravessando avenidas que eu vira durante minha caminhada de ontem e não sabia do que se tratava. Pois bem, eram passarelas para as  estações do trem subterrâneo. Marina na frente e eu atrás como uma verdadeira mineira. Linha amarela até a Estação da República e de lá, linha vermelha, até o Brás. E sobe e desce, e sai e entra. Toda uma multidão apressada por escadas rolantes como se perder alguns segundos fosse vital em suas vidas desenfreadas. E eu olhava tudo aquilo; e dava muitos "fora" por aqueles concretos afora. Ria de mim mesma.

   Finalmente chegamos no Brás. Perguntamos  como fazíamos para chegar ao Museu da Imigração, escolha minha para aquela manhã.

  "- É só atravessar aquele pontilhão e seguir reto."

   E o tal do pontilhão deveria ter tantos anos quanto a estrada de ferro que passava sob ele. E foi ai que iniciamos nossas fotos. Havíamos saído do primeiro mundo e caído no terceiro mundo imundo do outro lado.

   De repente eis uma construção encantadora, majestosa, recém restaurada a convidar-nos para entrar. Era o Museu da Imigração que nos encontrou perdidas por lá.

  Entramos e logo vimos corredores que nos levaram de volta ao tempo.

  Subindo uma escadaria deparamos com uma carroceria de caminhão quebrada ao meio, lotada de tijolos caídos uns sobre os outros. Nos tijolos, gravados na própria cerâmica, lia-se em vários idiomas a palavra tijolo. Era  a exposição "Migrar: Experiencias, Memórias e Identidades" relatando a imigração como atividade permanente na história da humanidade.

   Então foi impossível não lembrar, naquele momento, da fotografia do menino morto, afogado em uma praia turca, que naqueles dias corria o mundo e pedia paz

   Bem, no final do século XIX e inicio do século XX, chegaram ao Brasil imigrantes de mais de setenta nacionalidades em busca do "sonho da América". Vinham substituir o trabalho escravo uma vez que a abolição da escravatura havia se dado naquele final de século. Não me proponho aqui  discutir tal troca do ponto de vista da sociologia e da vergonha do Brasil diante destes fatos. Mas buscara ali  histórias destas pessoas partidas. Deixaram partes de si nas suas distantes terras para reconstruir outras partes por aqui.

   O dormitório com suas inúmeras beliches e  gavetas semi abertas mostravam cartas escritas por parentes dos vários países deixados para trás. Cada qual na sua linguá-mãe.

   As imagens e sons daqueles imigrantes ainda vivos falando do que deixaram e os objetos que conseguiram trazer na travessia do Atlântico. Eram sapatos, máquinas de costura, uma maleta de couro, um vestido e tantos outros. Como se cada um daqueles objetos fosse uma parte deles daqui e de lá.

   Na exposição de fotos em grandes painéis em preto e branco numa moderníssima projeção, entrei no olhar de uma menina que acompanhava a mãe e uma outra menina menor. Pude sentir a angústia que se instalara em seu coração. Angústia do desconhecido e do por vir.

   Sai daquela gigantesca construção para os também gigantescos jardins internos. Tinha dentro de mim aquela menina a me pedir acolhimento. 

  Tomei café e fui embora. 

  Eu que  havia ido ali procurar registros do meu bisavô italiano mesmo sabendo que ele chegara no porto do Rio de Janeiro, agora saia dali com milhares de imigrantes atrás de mim. Ou eu atrás deles?

  Ainda muito a contar deste sábado por São Paulo


15/09/2015

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