sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Fábula: E os bichos entram na mata e nas cidades III


Trilhas estreitas, esburacadas e donas de paisagens estonteantes no alto da Serra da Mantiqueira. Soube-se mais tarde que a Loba Loura ficou a reclamar dos sacolejos. Entretanto ela própria sacolejava constantemente seus cabelos brilhantes de um lado para outro como se fosse uma dança de fêmea no cio. Assim que chegaram a Preguiça quis entrar debaixo da queda d’água da imensa cachoeira. Esqueceu sua preguiça e caçou modo de achar o caminho mais perto e se fartar de água. Marmotta, Mari e Suricato foram juntas. E a decepção pela impossibilidade de chegar lá ficou multiplicada por quatro. Os joelhos e pernas das senhoras não conseguiram descer a ribanceira até o riacho. Então foram à mesa delicadamente preparada com os artigos do restaurante. Pães integrais com ervas, azeite e queijo parmesão, tudo fabricado por ali e adornados com flores naturais. A bicharada esqueceu os revertérios dos estômagos e beberam e comeram muiiiito.


O Lobo italiano não parava de dar explicações da família de sua esposa, a Loba, brava agora.

Avestruz, Mika e o Macaco Chefe arriscaram a descida até a maravilhosa cascata e demoraram a retornar. “A água estava a zero grau” falou o Avestruz com suas penas molhadas. Mika voltou ainda mais exuberante. Talvez a água mineral tenha refrescado seus pelos.

Vamos ao almoço. Trutas grelhadas, arroz, saladas e flores.

“Comer flores?” Espantou-se a Preguiça que, naqueles dias, queria outras variedades. Confessara que já não aguentava mais comer frutas e folhas. Mas aceitou saborear uma calêndula no meio da truta.

Saciados pela comida, pelas águas, pelos verdes das matas, pela música do bicho homem cheirando a marijuana e pelas histórias do italiano que ainda falava dos laços familiares, os bichos voltaram a ocupar seus lugares nos carros automotores e começaram a descida da serra. 


Nova parada, Aiuroca. E lá se foram os bichos médicos conhecerem o Museu, recém criado, na casa do Dr. Júlio Arantes Sanderson de Queiróz, famoso médico que trabalhou e recebeu um colega, infelizmente ausente nesta viagem. Doutor Tamanduá, cirurgião famoso no leste das Minas Gerais. Até patenteou sua invenção: uma língua com um imã na ponta para retirada de corpos estranhos no aparelho digestivo. Muito talentoso nosso amigo Tamanduá.




E todos os bichos escutaram a história do assassinato de uma mulher que fora degolada naquela cidade, ainda no final século XIX, contada pelo escritor, poeta e quiçá descendente da falecida que hora recepcionou a todos.  Sendo a Loba uma estudiosa das leis o relato do tal crime fora ainda mais floreado e cantado embora o Avestruz e seu amigo Macaco preferissem encontrar o sanitário do Museu e seus instrumentos de louça da época. E atrás deles foram a Suricato e Mari. A Preguiça, por estas horas, já sentia o peso das pétalas da calêndula e nem conseguia ouvir o tal secretário, escritor, poeta e descendente ainda a contar o crime mais famoso de toda a região.

Lá fora estavam o Castor a brincar com um cão da rua e sua amada Marmotta. Devemos salientar que o senhor Castor canadense tem um humor sempre alegre e um jeito conciliador mas, no que se refere a compromissos com horários marcados, fica deveras raivoso se os bichos amigos não os cumprem.

Ainda ali, naquela pequenina cidade, nascera a Sereia Global, a jovem atriz Isis Valverde.

Então deu-se a hora de sair pois nosso anfitrião, o Sr. Macaco, ainda programara visitar também a pequena Cruzília, a cidade dos cafés mais saborosos do Brasil, e famosa por seus queijos tantas vezes premiados. 

Coitada da Preguiça. Nesta hora, enquanto os amigos se fartavam de queijos e cafés, ela conseguira escapulir e fora descarregar suas dores intestinais no amplo banheiro do estabelecimento.

Pé na estrada e voltamos para a cidade das águas, Caxambu. Ali estava acontecendo uma exposição de cavalos Mangalarga Marchador com leilões bilionários dos tais bichos reprodutores. Havia 600 animais disputando o modo mais bonito de marchar. Mas, depois de subir a serra, ouvir a longa história da mulher degolada, alguns bichos nem queriam ver cavalos. A Loba decidiu ir ver os bichos cavalos. Até podemos imaginar o que ela estaria pensando nesta hora.



A senhora Preguiça ainda sentia como se tivesse comido todos os peixes do rio. Sua barriga dava reviravoltas e ela se contorcia de dores. Avisou que não sairia naquela noite pois estava muito envergonhada por tal desarranjo. Caçou um sanitário mais apropriado na linda casa da Mari e nele ficou o resto do dia e da noite. Obviamente que todos os amigos bichos, respeitosos como eles só, fizeram grande esforço para não rir da amiga. “Foi a calêndula” dizia a contorcida. Uns sugeriram água de coco, outros sugeriram soro caseiro e o doutor carioca-italiano, sugeriu e acompanhou a amiga na compra da Saccaromyces boulardii. Seria por que tem tanto “i”? Foi para casa e dormiu o quanto pode.
Outros foram para o hotel e, por lá, tomaram vinho e conversaram até a madrugada.

Na manhã seguinte mais uma café “seis estrelas” como bem classificou Suricato que acordou muito feliz naquela manhã. Ela trouxera queijos trufados com goiabada de sua tão distante cidade. Naquela manhã o passeio tão bem programado pela anfitriã, Mari, seria o Parque das Águas e almoço reservado no grande Hotel Glória, uma verdadeira glória para os bichos amigos. E todos caminharam pela “maior concentração hidromineral de águas carbogasosas do planeta” no meio de belíssimas trilhas verdes bem no centro da cidade. São onze fontes de águas minerais, um Gêiser e muitas surpresas no caminho como um pequeno oratório em homenagem a Nhá Chica, famosa por sua dedicação às coisas santas. Relíquia da cidade de Baependi, terra natal do Macaco, que aguarda sua beatificação.



O caminhar através das fontes das tais águas gasosas fora registrados em várias fotos.

E foram caminhando e contornando o Parque até chegarem no belíssimo restaurante onde desfrutaram pratos deliciosos. A pobre Preguiça não teve escolha. Ainda com a barriga roncando de gazes ficou no nhoque nada saboroso. Mika pediu uma buchada de vitelo e afirmou que estava deveras saborosa. Os demais bichos ficaram no churrasco. Entretanto o que mais chamou a atenção da bicharada fora a elegância e a classe tanto do espaço quanto dos garçons. Pagamos o preço e valeu.

Terminado aquele banquete animal os amigos foram descansar.

À noite um convite especial: jantar na casa do amigo bicho ortopedista, o Sr. Pavão, que recebeu a todos os colegas bichos médicos com honra e muita beleza. A casa, seu orgulho por tê-la construído naquele Bosque, mais parecia o CT do Atlético Mineiro, com muitas áreas de esporte e muito verde ao redor. A esposa mostrava-se feliz ao lado daquela bela espécie. Em um dado momento a nossa amiga Marmota sugerira, brincando, que o Dr. Pavão era um “coxinha” o que o deixou desconcertado e interrogando a razão daquela afirmação. Foi ai que todos ficamos sabendo que, com sua cauda enorme e colorida, ele sempre fora um excelente goleiro nos tempos da faculdade, não deixava passar bola alguma nas traves do gol. Portanto vermelhos e coxinhas o disputavam como seu goleiro. 
Já estávamos embriagados a contemplar a noite no Bosque do Sr. Pavão quando decidimos voltar para nossos ninhos pois amanhã terá Maria Fumaça noutras cidades, bem cedo, e o Sr. Castor não admitirá atrasos.



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