segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Carta de Amor XIII

Meu tão caro amigo

Agora, remexendo em caixinhas do passado, caiu em minhas mãos um cartão de votos de  feliz natal e próspero ano novo. Era dezembro de 1987. Sua letra já me era inconfundível. Entretanto a delicadeza do cartão não diz mais do homem de hoje. Incongruências do ontem e do hoje. Você naqueles tempos se permitia ser visto, ser amado e desejado. E conversávamos sobre tudo. Eu, uma menina ingênua, e você um homem feito. Feito amor. Feito doçura. Feito humanidade.

Ontem, desfeita com todo o processo político eleitoral do país, precisava falar. Meu coração quase saía pela boca. Rodava pela casa como barata tonta pelas chineladas e o inseticida à vista. Aquietei-me assistindo filmes. Fugi da realidade.

Fugi da nossa realidade. Você, perdido no caminho que escolheu, preferindo não avançar para lugar algum. Eu, aquiescida na casa do ontem, sonho meu sonho que não desejo real. Dois perdidos num passado, esforçando-se no presente para que eles não de reencontrem num futuro. Medo senão de ser sermos felizes de novo. 

Tal e qual a campanha vencedora em 2002, "sem medo de ser feliz", conclamo você a desejar de novo. Desejar para além de você. Sair da redoma que construiu para ficar escondido nela. Ser adorado apenas. Isto é desistir de viver para virar ídolo de si mesmo.

Grite às estrelas, salte riachos, mergulhe em águas profundas, fure ondas gigantes, suba às montanhas, arrebente as correntes que te prendem e vá de encontro ao seu desejo. Pois só o amor é capaz de te resgatar do invólucro que amordaçou sua boca e engessou seu corpo. Posso estar lá, no fim da sua caminhada. Mas antes faz-se necessário que me desejas. "E eu sei que tu me amas..."

Data: Um dia após os brasileiros declararem todos os seus preconceitos contra as minorias. Um dia após o ódio e a ignorância vencer o amor.


               Assina: seu grande amor entre as minorias

PS:. e, coincidentemente, o número desta carta já fala muito de mim.

                      E te encontro na próxima esquina.
                                          
                            08/10/2018

Um comentário:

  1. Algo em comum hoje. Arrumei os livros. Vi fotos antigas, reli cartas antigas, refiz malas, escrevi e de repente descubro que somos amantes incessantemente do amor. Curados pela lembrança e resistentes a um instante sem nome. Abraços.

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