Ele descia a rua com seu passo dançante. Não vi se naquele dia ele trazia a costumeira marmita de alumínio envolta num branquíssimo pano de prato. Reparei que seus cabelos estavam bem penteados, com as ondulações escurecidas e brilhantes do tonalizante masculino da época, o famoso "Grecin". Suas roupas eram adequadas, comuns. Reparei também que chegava sozinho. Provavelmente vinha do trabalho senão estaria de braços dados com a esposa.
O que chamava a atenção
era seu sorriso de mansidão ao cumprimentar os vizinhos. Ele descia a rua. E a
rua parava para vê-lo passar. Será que trabalhava na mineração?
Era um homem como outro
qualquer. Tinha sua casa como todas as outras da rua. O capricho ficava por
conta de sua eterna namorada. Não era um homem rico. Era respeitado pelos
outros homens da rua. Era um homem cheio de carismas.
Subindo a rua havia um outro homem. Também tinha um sorriso
estampado na face. Entretanto trazia em si uma face de sofreguidão. Vestido
sempre com extrema elegância. Morava na casa mais bonita da rua de cima. Lembro-me
dele andando de um lado para outro no belo jardim da sua casa. Às vezes
assobiava uma canção desconhecida. Era de poucos amigos. Tinha um emprego que
lhe garantia bons salários e uma vida de luxos. Quando o via, notava que seus
olhos buscavam algo nas alturas. Quem sabe a paz que parecia lhe faltar?
Agora esses dois homens cruzam na minha rua.
Primeiro aquele do sorriso manso descendo a rua. Depois, este do sorriso
sôfrego, subindo a mesma rua. Era a minha rua.
Ao cruzarem, sem que um se soubesse do outro, apareceu no meio
deles uma mulher. Não uma qualquer mulher. Mas uma mulher que não precisava de
sorriso, indumentárias, ou qualquer palavra. Ela se fazia toda. Não carecia de
nada. Apenas olhou para os dois homens. De alto a baixo. Estava dito. Entre o
operário e a nobreza havia o desejo de uma mulher. Ser vista.
Assim é o inconsciente. Mesmo dormindo ele não pára de
desejar.
Então acordei de um sonho entre
dois homens tão iguais e tão diferentes. E meu sonho apenas veio me
confirmar aquilo que eu já sabia, ou seja: como eu gostaria de ser tal e qual
aquela mulher!
Se assim fosse certamente eu teria o amor do terceiro homem. Aquele que não aparece nos meus sonhos porque dorme preguiçoso dentro do meu peito.
05/09/2019
(Foto feita por mim num dos Palácios da Família Real, em Londres em julho de 2018)
05/09/2019
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