segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Crônica: Atravessando montanhas de Minas




Já havia previsto minha viagem a Ouro Branco, cidadezinha do interior onde mora meu netinho. Desta vez decidi cortar caminhos. Ao invés de atravessar um pedaço da BR Fernão Dias, pegar um trecho do terrível Anel Rodoviário em Belo Horizonte e entrar na BR 040, optei por subir as montanhas de Brumadinho. Assim o fiz.

Só não havia previsto os inúmeros caminhões carregando nossos minérios, os muitos trabalhadores ainda vasculhando e refazendo estradas, as chuvas e o lamaçal. Tentei retornar. Já não havia mais tempo.

Logo na entrada de Brumadinho uma longa fila de carros chegando de duas direções diferentes. Carros indo. Carros voltando. Não fosse a educação de alguns motoristas o caos teria se formado pelos apressadinhos e maus motoristas.

Já contabilizava um atraso de dez minutos nos oito quilômetros percorridos até ali.

Finalmente consegui chegar à estradinha estreita que me levaria pelas curvas e montanhas. Mais caminhões. Mais trabalhadores e muitos carros pequenos. Será que todos tiveram a minha ideia?

Mas, à medida que distanciava da cidade, ia deixando os caminhões por suas estradas privativas até as minas que consomem nosso patrimônio ambiental e matam nossos trabalhadores. Isto são outras histórias. Tristes histórias. E presentes comigo desde então.

Toda esta introdução para falar das cores com as quais o tempo chuvoso e ensolarado coloriu meus olhos. Ali um arco-íris. Ou dois? E eles cismaram de brincar comigo. Numa curva ele estava à minha direita. Logo desaparecia para aparecer do lado esquerdo. Agora à minha frente.

“Estou chegando bem perto”. “Será que conseguirei passar debaixo dele?” “O que mesmo que acontece quando a gente consegue isto?”

Resolvi arriscar fotografá-lo. Sem acostamento. Vários carros indo e vindo. Fotografei. Uma. Duas vezes. Três vezes. Várias vezes. Esqueci-me de ver como ficaram as fotos. (Vi agora. Apenas uma com meu arco-íris sobre a igreja do distrito de Aranha.)

Havia momentos em que surgia também a sombra daquele. E a beleza duplicava. Água, sol, minérios, matas. A combinação perfeita para a exuberância por toda a estrada.

De repente comecei a subir as montanhas de fato. Ali estava o arco-íris a esconder de mim por entre as pedras. E logo despontava bem pertinho. “Agora conseguirei passar debaixo dele!” Acelerei meu carro no pedaço mais íngreme da região, mas ele se escondeu logo acima de mim. Cheguei ao topo da montanha. Ele desapareceu. Despedi daquele amigo colorido que havia feito a travessia comigo por quase uma hora naqueles quarenta e dois quilômetros.

Agora outra visão me deslumbrava à frente. A Lagoa dos Ingleses. Imaginei meu carro e eu flanando sobre o morro e deslizando sobre o céu azul dentro d’água.

Então cheguei à BR 040 que não estava tão tranquila quanto pensava. Agora bem perto do meu destino. Procurei o Pico do Itabirito. Majestoso sobrevivente das mineradoras. Até quando não sabemos. Sei que a população tem bravamente lutado para impedir seu desaparecimento.

Não havia ligado o rádio. Nem queria. Estava ouvindo o meu silêncio que já fazia-me bastante barulho. Cantava muitas melodias e, às vezes me lembrava dos rumos do meu Brasil. Mas eu queria mesmo era viajar. Ainda não sabia quem dirigia o carro. Acho que estava no automático.

Trânsito lento. Muito lento em Congonhas. “O que terá havido?” “Polícia Rodoviária Federal?” “Ou o estrangulamento do viaduto logo ali a frente?”

Foi ali que me apresentou um céu de nuvens acinzentadas e brancas com fundo azulado. Parecia que o Deus pintor fizera de propósito. Queria que víssemos sua obra entre a Terra e os céus. Por isto Ele quase parou o trânsito. E quem não viu perdeu o quadro por entre as gotas de chuva no para-brisa. Não sei se verei de novo. Visão única.

E finalmente cheguei ao meu destino. Encontrei meu neto com seu uniforme escolar muito sujo. Aquilo me deixou orgulhosa. O uniforme estava sujo de aventuras, de tintas coloridas (será que ele ajudou a pintar o arco-íris e o céu?), de inocência, de amizades e de alegrias.

Pedi muitos abraços explicando-lhe que, sendo ele meu único neto, queria tantos outros netos e abraços. Ele entendeu apesar de seus quatro anos e enroscou meu pescoço num demorado abraço.

Minha viagem de cem quilômetros em quase três horas fora perfeita.

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