terça-feira, 27 de abril de 2021

Carta para Lula. Homenagem ao dia das Empregadas Domésticas



Boa tarde Lula

Depois de ficar toda a manhã tentando te escrever, eis que  me encho de coragem e já o faço.

Espero que sua saúde física esteja bem e que seu olhar viaje comigo pelas palavras a seguir.

Não quero falar de mim mas de duas das muitas mulheres que prestaram seus serviços em minha residência.

Não sei qual das duas chegou primeiro para me ajudar a criar meus três filhos. Bem, mas isto não tem a menor importância.

Então começarei por Aparecida Ambrósio priorizando a ordem alfabética. Pequena no tamanho. Com nome de "madroeira do Brasil" (como aprendi recentemente). Do interior de Minas Gerais. Veio ainda menina para cuidar dos filhos de uma conterrânea. Cresceu longe dos familiares embora, às vezes, seus patrões a levasse até eles. Logo engravidou de seu primeiro filho. Solteira e sem recursos financeiros viu a tristeza nascer junto com o menino. Ganhou um lote e fez sua primeira moradia: uma barraca com lonas pretas. Contou-me, uma única vez, que numa noite de chuva e frio, não sabia para onde correr com sua criança. Por esta época perdeu seu emprego. E, por esta época, veio trabalhar comigo. Deixava seu filho numa creche para cuidar dos meus filhos. E eu não conseguia conviver com aquilo. Para ela era mais fácil deixar seu filho na creche próxima à sua casa e vir trabalhar comigo. Nós duas fomos nos tornamos grandes amigas.

Não sei o que houve mas, por um tempo ela deixou de vir. Acho que isto se deu quando ela teve sua segunda filha. Ainda solteira. Pode ficar em casa uns tempos até retomar seu trabalho. E doze anos depois teve sua terceira filha que nascera com 900 gramas, aos cinco meses de gestação. A danadinha da menina sobreviveu com a mãe indo à UTI de um hospital público e  deixando seu leite para que fosse dado a conta-gotas. Isto iria impedir que a recém nascida tivesse as paredes do seu aparelho digestivo coladas. Obviamente que a mãe não pode trabalhar nesse tempo.

Recentemente tornou-se avó. Hoje, com trinta anos de convívio, tenho a honra e a alegria em dizer da minha grande admiração por esta mulher.

Vamos para a outra mulher. Esta é muito grande no tamanho. Tem nome moderno: Elisângela Cristina.  Conheci quando escutei suas dores durante um atendimento no meu trabalho enquanto psiquiatra num ambulatório quando o SUS ainda não havia sido implantado. Ela era uma menina. Com três filhos homens e sem marido. Portanto não fora difícil identificar e tratar suas dores. Depois de um tempo fiz o convite para cuidar dos meus filhos. E lá se foi aquela mãe-menina para minha casa. Enquanto os filhos dela ficavam aos cuidados da avó, ela cuidava da minha casa, dos meus filhos e, muitas vezes, de mim também. Minhas filhas amavam  os penteados nos cabelos, as brincadeiras, os almoços e tudo que vinha do sorriso daquela imensa mulher.

Muitas vezes esperava eu chegar dos meus plantões quando, já tarde da noite eu a levava em casa sob os protestos de várias pessoas: " Lá é muito perigoso. Mais ainda à noite. Cuidado!". Colocava minhas crianças no carro e lá íamos nós cinco. No dia seguinte cedo já voltava minha menina de novo.

A convite dela viajamos com a "Marcha Franciscana" percorrendo cem quilômetros na Serra da Canastra para cantar, rezar, brincar e salientar sobre a importância das nossas águas. Caminhamos a pé até a nascente do rio São Francisco. Até então não sabia de sua ligação com os Freis Franciscanos de sua região.
Aos trinta e poucos anos virou avó. Hoje é pura alegria com seus três netos na barra da saia.

Encerrando quero dizer mais um pouco dessas duas mulheres entre tantas outras que passaram por minha casa. Elas são pobres, negras, moradoras de periferias, mães. Certamente só puderam garantir suas dignidades porque viveram adultas no período em que as políticas sociais, as garantias trabalhistas, a ousadia de  implantar o SUS e muito mais, foram dadas por seu governo.

Lula, muito obrigada por tudo que fez pelas mulheres brasileiras e por muito mais.

Abraços.

                     Maria do Rosário Nogueira Rivelli

PS.: Conversei e li esta carta para Elisângela que autorizou seu envio inclusive com seu verdadeiro nome. Quanto a Aparecida, ela me pediu que enviasse por WhatsApp e logo respondeu afirmativamente.

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