domingo, 26 de janeiro de 2020

Crônica - Tieta foi operada



Levanto os olhos da minha leitura para observar Tieta deitada próximo à porta, na varanda. Está calma, elegante, sóbria e suja da terra vermelha do quintal.

Quem a conhece sabe que este é um momento ímpar da atrevida Tieta. Mandona, inquieta e gulosa. Chegou ainda filhote para minha vizinha que mandou fazer um canil com uma jeitosa casinha de alvenaria aproveitando a tela divisória de nossos terrenos. E foi ai que a coisa não deu certo. E, ainda por cima deu-lhe dar o nome da espevitada personagem do nosso genial baiano, Jorge Amado. Tieta ficava presa e latindo o dia todo para a liberdade dos meus cachorros.

Meus três cachorros viviam soltos e brincavam - ou brigavam? – enquanto a vizinha Tieta latia no desespero da segregação. A dona dizia que “ela é impossível, matou algumas galinhas, todos os pintinhos e vive estragando minhas plantas”. Isto é verdade. Suas plantas são lindas e sempre muito bem cuidadas. Para evitar tantos desastres a cachorrinha deveria se sucumbir nos quatro metros quadrados que lhe foram reservados. De vez em quando o marido da dona a levava para dar um passeio pelos arredores do sítio. Mas, para Tieta, aquilo não era o bastante.

Vendo o desespero da Tieta, meus filhos viviam pedindo que eu a adotasse. Prometi a eles e à dona dela que, quando  Duquesa viesse a falecer - estava com CA de mama avançado - eu a adotaria. Duas fêmeas no mesmo espaço seriam brigas constantes.

Duquesa faleceu e a Tieta veio para nós. Brava. Muito brava. Beligerante como só ela. Caçava briga todo dia com o velho Neguinho – meu cachorro também adotado das ruas - que acabava apanhando da feroz fêmea. Protegeu o pequeno Dexter, um caramelo adotado por minha filha ainda filhote, como se fosse sua cria. E assim a família foi restaurada. Neguinho, o senhor dócil. Dexter, o pequeno brincalhão. E Tieta, a tal briguenta.

O que fazer?

Não queríamos deixa-la sempre presa no canil como vinha acontecendo. Todos tentávamos aproximar dela. Nada adiantava. Ela, arisca, vinha sem modos e abocanhando quando lhe fazíamos um agrado com algum alimento.

Eis que, de uns tempos para cá, ela passou a pedir carinho, ficar mais perto, olhando de longe para o Neguinho, que nem se aproximava mais dela. Pensei que algo poderia estar acontecendo. 


Devo dizer que minha vizinha, ex-dona da Tieta, sempre me ajudou nos cuidados com meus cachorros. Com um carinho especial pela Tieta. Foi ela quem, durante minha última e recente viagem, chamou a veterinária e providenciou todos os medicamentos para os carrapatos. Penso que temos a guarda compartilhada da Tieta.

Preocupada com a braveza da Tieta, a veterinária sugeriu a castração que, talvez e sem garantias, poderia deixá-la mais calma. Agendada a cirurgia Tieta ficou em jejum para os procedimentos necessários.

Durante a castração, há menos de quinze dias, viu-se que ela estava com a tal Piometra (uma infecção bacteriana do útero, pouco conhecida embora comum, grave, que pode levar à morte se não tratada rapidamente). Estava explicada, em parte, a ferocidade da Tieta. Ela vinha sentindo dores e muito desconforto.

Pois bem, hoje ela me olha como que agradecida pelos cuidados e cuida de mim, quando às vezes, fico arisca também. Inda agora me olha com seu olhar soberbo de “dona do pedaço”.


Funil, 26/01/2020

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