Sempre gostei dos serviços de lavações numa casa. Lavar banheiros, lavar o chão, lavar vasilhas e, principalmente, de lavar roupas. Agora, neste tempo de pandemia e quarentena, voltei às minhas lavações. Acabei descobrindo o tanto que gosto de subir as estreitas escadas até o terraço não apenas para estender minhas roupas lavadas e cheirosas. O que antes seria apenas mais um trabalho doméstico, passou a ser também uma desculpa para escalar os degraus e deslumbrar com minha visão lá de cima.
Minha casa está localizada numa rua pequena, tranquila, com muitos moradores desde o tempo em que fui criança, num dos pontos mais altos da cidade, a mais de mil metros de altitude. Portanto tenho uma visão privilegiada em 360°.
Com muitos arames esticados logo percebi que poderia colocar as roupas de modo a não obstruir as imagens mais belas que ficam na parte dos fundos da minha casa.
Se eu olhar em direção retilínea e bem próximo de nós - a nordeste - vejo o que sobrou da mineradora inglesa que extraiu e levou todo nosso manganês. Olho e ainda posso ver a poeira dos minérios subindo, ainda posso escutar as explosões das dinamites nas rochas e ainda posso sentir as trepidações nas janelas de vidro. Por conta disto minha casa sempre teve rachaduras em várias paredes. Hoje, dizem, ainda tem uma barragem de dejetos bem no alto onde posso ver muitos eucaliptos plantados na base. Um sobrinho mora bem aos pés de onde estava este “Morro da Mina” causando-nos preocupação embora seja um local encantador.
Se eu olhar a leste vejo as montanhas por onde viajo em direção a Itaverava, Catas Altas da Noruega - (cidade que não conheço e que sempre estou adiando minha visita), Lamin, Piranga, Senhora de Oliveira e minha doce Brás Pires. Se arrisco olhar um pouco mais à esquerda da estrada, encontro Ouro Preto e Mariana.
Pausa para o trabalho:
“Espere aí, deixe eu arredar aquele lençol para ver Pinheiros Altos, distrito de Piranga, de onde vem a pedra sabão para as panelas, as imagens e tantas outras peças. Passei por lá dentro de um Jeep velho, com meu Tio Padre Zizinho no volante para irmos a Mariana visitar Tio Felício Rivelli."
Por toda a região atrás da minha casa, ainda pode-se ver grandes áreas verdes que, gradualmente vem sendo povoadas. Não gostava de ver o cemitério municipal construído, obviamente, na região mais desvalorizada da cidade onde há um pequeno aglomerado de pessoas das camadas mais pobres da cidade. Ali havia um matadouro (não sei se ainda existe) e, em torno dele, nasceu o Bairro nomeado de JK, mas vingou apenas como Matadouro. Nesta hora toda uma história de miséria social invade meu peito. Mas deixarei, por ora, essas mazelas brasileiras de lado, para falar do meu olhar. Embora meu olhar olhe duas mortes naquela direção.
Recomponho-me desta visão para virar um pouco mais a norte onde, bem perto, vejo outra área verde, com uma trilha por onde, ainda menina e acompanhada da minha irmã também menina, atravessamos algumas vezes indo encomendar “Um metro de lenha” para nosso fogão. Não tínhamos fogão a gás que foi um presente do meu pai para minha mãe no Natal de 1969 e que só chegou no último dia daquele ano. A trilha era muito erma. Nenhuma casa na redondeza. De um lado dela ainda tem um grande buraco que me faz lembrar a dolina do Pantanal. Sério problema para administração pública uma vez que tal formação geológica tende a desabar no entorno por onde passa uma importante via de acesso, outrora um pedaço da verdadeira Estrada Real que atravessa toda a cidade alta de Conselheiro Lafaiete. Uma honra para nós.
Pausa para um devaneio:
(De vez em quando me vejo também conspirando com os inconfidentes contra os impostos da coroa. Acho que eu seria "Marília de Dirceu")
E bem naquele alto tem uma gigantesca escultura do Cristo como se fosse uma réplica do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Uma praça ampla envolve nosso Cristo que, embora fique na cidade alta, está voltado para a cidade baixa. Logo estamos todos abençoados.
Ainda tenho mais roupas para lavar. Ainda bem! Vou subir de novo até o terraço.
Enquanto trabalho viajo para dentro e para fora de mim e ainda faço atividades físicas.
Minha quarentena tem sido cheia de lembranças e grandes viagens.
Quem sabe amanhã viajo para dentro da rua, por ora esvaziada, mas ainda posso viajar pelo oeste e pelo sul até onde eu quiser.
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