quinta-feira, 10 de junho de 2021

Carta de Amor 15

 








Das terras férteis de minério, 10 de junho de 2021.


Manhã de quinta-feira.


Meu amado JTHX,


Espero que, por essas terras também férteis em minério e história, você se encontre com saúde e paz.

Não pedirei desculpas por mais uma carta. Álvaro de Campos, há muito, me autorizou a escrevê-las. Sei que, realmente, são ridículas. “Não fossem ridículas não seriam cartas de amor” como nos escreveu o grande poeta lusitano.


Tenho novidades. Quero lhe contar que estou de casa nova. Colorida. Grandes janelas por onde entram ventos e suspiros dos amantes. Muitas árvores. Agora estamos plantando flores. Azaleias. Bocas-de-lobo (lembra dessas pequeninas flores que se abrem como uma boca desejosa de beijos?). Displadênias que subirão pelos cobogós. O enorme ipê que plantei há oito anos como se fosse roxo, floriu pela primeira vez. Flores rosas. Já havia esperado a floração do branco que também floriu neste outono. O cascudo das flores amarelas. Agora tenho quatro pés de ipês amarelos. E continuam brotando ipês do chão de minério.

As orquídeas estão me ensinando a arte da paciência para acompanhar suas florações. Lindas. Perfumadas. Elegantes. Perfeitas.

O pé direito alto da área social da minha nova casa trouxe o frio tão desejado. A amplitude do espaço me faz navegar por todo o mar verde no entorno. Neste instante o sol da tarde já invade a varanda e, daqui a pouco, invadirá esta sala. Então ficarei iluminada.

O convite para conhecê-la se mantém. Haverá sempre um bom vinho tinto. Uma massa com molho bolonhesa. E um café na madrugada.

 JTHX, tenho lembrado muito dos tempos de nossas cartas. A última delas ainda doí dentro do meu peito. Você foi econômico nas palavras e inexorável nas duas únicas frases. Ficou a cicatriz que, vez ou outra, mina água. Foi a partir dela que nos perdemos. Foi, a partir dela, que comecei a escrever cartas para mim mesma. E, nas longas noites de inverno, eu esperei por elas. Elas me acalentavam da sua ausência. Elas me trouxeram os mineiros franceses de Emile Zola apresentados por você. Suas cartas me falavam da importância da educação dos jovens brasileiros e de tantos outros assuntos daqueles nossos tempos sombrios. E minhas cartas sempre tiveram você como inspiração.

Nunca tive tempo - ou interesse? - em datilografia. Minha letra, bem feita, deveria ser mais um detalhe nas minhas cartas. Hoje, nestes tempos de e-mails e mídias sociais, as cartas perderam o glamour. Ler um email ou uma postagem numa rede social jamais será tão prazeroso quanto ler uma tão esperada carta. Abrir o envelope com medo de dilacerar uma só letra escrita pelo amado era de cortar o coração. Sorver cada palavra esperada. A sensação era e ainda é algo indizível.

Meu amor, recentemente assisti uma de suas conferências. Inicialmente não me interessei pelo assunto. Entretanto me chamou atenção o toque esplendoroso que deu à narrativa. Conte mais histórias. E me avise. Vou querer ouvi-las e ver você.

Neste momento de Pandemia e de um Brasil a beira do abismo, carecemos uns dos outros. Carecemos sobreviver na solidão.


Para terminar, me dê a sua mão. Quero beijá-la. Quero dormir com o afago dela.

E, se acaso me chamar de ridícula, terei cumprido meu propósito.

Abraços eternos.

Maria do Rosário Nogueira Rivelli


Comentários de amigos da estrita:

1 - Sua carta tem a maturidade da troca, a admiração amorosa e a sabedoria trazida pelo tempo. Tem a generosidade do feminino, o estoicismo da espera, o amor pela natureza, a dor de uma ruptura. Tem humanidade, poesia, cheiro de terra e flores, cores. Tem vida em sua gestação mais plena! Tocante! Parabéns, Rivelli!

Tentei postar no seu blog esse comentário  inúmeras vezes e não finalizava... (Sebastião Aimone)

2 - Rivelli, fiquei sem palavras diante de tanta beleza e sensibilidade. Tocou fundo meu coração. Parabéns. Você é uma grande escritora. Beijos. 🌸 (Kátia Pimentel - Poeta)

3 - Rivelli, que mergulho lindo e corajoso neste amor que é  feito de prazer e dor! Parabens! (Cida Amaral - Psicóloga e poeta)

4 -Rivelli,
    Sempre surpreendendo e cada vez melhor. Esta carta de amor é          qualquer coisa de sublime, um doce pecado tropical, uma fruta          madura no pé, uma casa mineral e mineira de janelas abertas para      a liberdade. É uma carta metalinguística, nada ridícula, criativa e        amorosa. Uma carta que convoca outros olhares e vozes. Muito,        muito boa, essa carta de amor, bjs (Ronald Claver - Poeta e                professor na Oficina de Escrita)

4 comentários:

  1. Magnífica carta.Rica em detalhes.Amo isso na sua escrita.Abraços.

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  2. Sua carta tem a maturidade da troca, a admiração amorosa e a sabedoria trazida pelo tempo. Tem a generosidade do feminino, o estoicismo da espera, o amor pela natureza, a dor de uma ruptura. Tem humanidade, poesia, cheiro de terra e flores, cores. Tem vida em sua gestação mais plena! Tocante! Parabéns, Rivelli!

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  3. Sua carta tem a maturidade da troca, a admiração amorosa e a sabedoria trazida pelo tempo. Tem a generosidade do feminino, o estoicismo da espera, o amor pela natureza, a dor de uma ruptura. Tem humanidade, poesia, cheiro de terra e flores, cores. Tem vida em sua gestação mais plena! Tocante! Parabéns, Rivelli!

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    1. Obrigada meu grande amigo poeta, Sebastião Aimone Braga. Você tem as palavras mais belas do nosso vocabulário.

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