sábado, 7 de junho de 2014

NO MEU QUARTO UMA ASSOMBRAÇÃO





     NO MEU QUARTO UMA ASSOMBRAÇÃO


  Naquelas férias de inverno, mais uma vez, meu presente de aniversário foi ficar alguns dias na fazenda dos meus tios. E, mais uma vez, meus pais concordaram com meu pedido.

  Era o ano de 1969 e eu completaria 12 anos. Eram um ano e um mês muito especiais. O homem pisaria na lua pela primeira vez no dia 20 de julho, numa viagem espacial através da missão Apollo II, e eu não perderia aquilo de jeito algum. Haveria de estar bem próximo daquela alunagem.

 A Fazenda ficava localizada numa várzea a perder de vista. Área esta, naquela época, muito cobiçada pelo IBC (Instituto Brasileiro do Café) para o plantio do ouro negro. Ou vermelho? Pois bem, com esta amplitude eu teria uma visão de trezentos e sessenta graus. Quem sabe não veria alguma coisa nas crateras lunares onde vivem São Jorge e o dragão?

  Malas prontas, contatos feitos com meus tios e lá fui eu para aquele destino tão desejado. Eu já havia passado outros aniversários ali, mas ninguém sabia daquela data tão especial para mim. Acho que gostava de ficar comigo nos meus aniversários.

  Meu tio era a paciência em pessoa e ainda tem sido assim pelos tempos de agora. Cuidava do seu pequeno rebanho leiteiro, do plantio de grãos para o gado e outros para subsistência de sua família e a venda ou troca do que sobrava.

  Ele sempre fora muito calado e só abria a boca para a fala mansa e debochada dos mineiros.

  
  Minha tia era diferente. Era uma bela mulher, pele morena, cabelos negros e lisos e olhos esverdeados da cor do ciúme. Mais que bonita, era inteligente, viva e cheia das sabedorias. Ouvia diariamente, no seu radiosinho de pilha, programas de saúde, de psicologia, de culinária que ela nem precisava pois era PhD em comida mineira. Alguns anos mais tarde ficaria sabendo que ela fora secretária do meu pai, enquanto prefeito daquela cidade. Tudo tinha uma razão, a alegria, a sabedoria e o desembaraço da minha Tia. 
  
  Eles já tinham seis filhos e esperavam o sétimo que nasceria em dezembro.

  
 Já estava no meu paraíso para onde meu pai me levara ainda no final de junho. 

  Naquela primeira noite meu pai e meus tios sentaram ao redor do enorme fogão de lenha e colocaram os assuntos em dia. Falaram do acontecimento daquele mês. Um duvidava que os americanos fossem a lua, outro achava que aquilo era contra Deus em sua onisciência.

   Nós, os filhos, escutávamos tudo aquilo com muita atenção. O pior era quando começavam a contar casos de assombrações, de almas no purgatório, de pessoas que haviam morrido naquela imensa casa e outros tantos fatos passados. Todos nós ficávamos acocorados e com os olhos arregalados de medo.


  No dia seguinte, recomendações dadas e lá foi meu pai de volta para a cidade grande, onde morávamos.  A casa da Fazenda tinha dois andares. As paredes eram brancas, mas amareladas pelo tempo. Todas as portas e janelas pintadas de azul claro. Havia seis enormes janelas na frente, no andar de cima e, embaixo, seis enormes portas. O conjunto era lindo de se ver e, ainda bem longe naquela várzea, da estrada, ela aparecia majestosa.

  Eu amava meus tios e primos embora fosse um pouco mais velha que os segundos. Não sei por que, mas naquele ano minha tia me colocou no quarto que eu mais gostava daquela grande casa. Talvez ela soubesse de minhas intenções com a visão noturna do vinte de julho que se aproximava.

   A Família ocupava uma pequena parte daquele andar. 

  No térreo ficavam os espaços remanescentes da época dos escravos. Eram tenebrosos alguns lugares aonde nem o sol chegava.

   No andar de cima havia uma primeira sala, gigantesca para minha infância, com um oratório de São José do Porto, nome daquela Fazenda e outras imagens de Santas e Santos. Acho que uma delas era Santa Rita e uma outra era N. Sra do Rosário. Ali, naquele altar sagrado, vários casamentos foram realizados, inclusive o dos meus pais.

  Era naquela sala que meus tios recebiam as visitas ilustres, através de uma simpática escada de madeira. Ali também ficavam os três melhores e maiores quartos dos sete existentes. Ficavam de frente para toda a várzea. Meus tios e seus filhos ocupavam uma área intermediária onde havia mais três quartos. Todos se acomodavam em dois quartos conjugados uma vez que as crianças ainda eram pequenas e carentes de cuidados maternos. Até então eu também ficava ai, perto deles.

  Os quartos foram recebendo nomes de acordo com seus ocupantes e, naquele ano, fora me dada a honra de dormir no quarto que recebera o nome dos meus pais. Ele ficava na área nobre e tinha três janelas, duas delas voltadas para leste e norte e uma terceira para o todo o oeste e um pedaço do sul. Isto me permitia uma visão de quase todo o espaço celeste. Tinha uma confortável cama de casal, solitária naquele tão grande quarto.

  Vamos caminhando com minhas alegrias e meu aniversário. 

  Faltavam ainda alguns dias para o tão esperado feito dos americanos e eu tinha todo o tempo para continuar meus estudos em astronomia naquela região onde só havia a luz das estrelas e da lua cheia.

  Mas eis que, na noite seguinte à partida do meu pai, mesmo com tanta honraria, eu perdera o sono. Já havia apagado a lamparina conforme recomendação da minha tia. Havia sempre perigo de fogo devido à construção toda em madeiras. 

  Bem, o sono fora embora e meus pensamentos iam e vinham e rodavam e me consumiam. Levantava, ia até as janelas do leste e norte, as mais bonitas.

   Era noite de lua nova e cadê ela que nem aparecia? As estrelas piscavam e se misturavam aos vaga-lumes da várzea. Eu já havia contado mais de vinte objetos atravessando no céu. Dizia eu que eram lixos das espaçonaves deixados pela NASA. Naquela época, eu já gostava dos russos e poupava-os da tal sujeira no meu céu.   E meu sono não chegava. Então veio o medo. Medo de não sei o que... Medo da noite, medo de estar tão longe dos meus tios, medo do medo. 

  Deitei de novo.

  Mais uma vez o sono não apareceu.

  E, não mais que de repente, alguém puxou meus cobertores para o chão. Segurei-os com força. Guardei meu choro... E se fossem meus tios e primos com suas brincadeiras? Abri meus olhos para a escuridão da noite sem lua. Fechei-os de novo.

  E de novo puxaram minhas cobertas...


  Ai meu Deus...

  Me ajuda minha Nossa Senhora do Rosário! E se fossem as assombrações que frequentavam aquela fazenda? 

  Puxou de novo... Jesus-Maria José socorrei-me em sua infinita bondade. Eu não conseguia fechar os olhos. Tanto fazia, pois eu não conseguia ver nada. Puxei meus cobertores e enfiei minha cabeça debaixo deles.

  E de novo puxaram...

  Meu São José do Porto, pai de Jesus, vinde em minha salvação.


  Meu coração disparava. E se fossem almas penadas? 

  Ou será que eram extraterrestres que também queriam aquela região tão cobiçada?

  Que alívio! Depois de algum tempo aquietaram-se os puxões. Eu estava salva.

 E, naquela luta com meu medo, acabei adormecendo de medo, de pavor, de vontade de fazer xixi.

 Acordei com o sol preguiçoso do inverno e suas pernas compridas que já entravam dentro daquele quarto tão familiar.
  
  Por um momento eu esquecera o terrível do acontecido naquela noite. 

  Então, meu olhar é chamado a ver, deitado sobre as minhas cobertas, um dorminhoco gato preto.


  Domingo, 25 de maio de 2014

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