...E MEU CORPO ESTANCOU.
Tudo parecia nos conformes e nos controles.
As aulas do meu novo curso começaram. Gente nova, sorrisos novos. Excelentes professores. Muitas leituras e questões a serem destacadas. Desafios num tempo avançado do meu viver. Desassossegos na alma ainda jovem e num corpo já maduro.
Vamos lá. O aprendizado requer mais que o desejado. Após um dia de trabalho eis-me indo para mais uma noite de estudos na nossa capital mineira. Na BR 381, surpreendentemente, reinava tranquilidade. O inverso viria acontecer no hiper centro da minha linda cidade de Belo Horizonte.
Eu e meus trinta anos de motorista estávamos bem. Então escuto um barulho rouco, forte e rápido e outro no instante a seguir. Bateram na traseira do meu carrinho mil jogando-o na traseira do carro da frente. O motorista deste último saiu do carro quase a me dizer “ só podia ser mulher”. Era o que eu esperava ouvir. Mas antes dele abrir a boca, apontei o estrago vindo de trás.
Minhas pernas travaram, minhas palavras travaram, meu coração disparou. E meu carro acabou. Minha jovem filha, a quem eu havia dado uma carona, sai do carro.
-“ é agora que a vaca vai pro brejo.”
Essa filha é muito impulsiva e sem papas na língua. Eu ainda não havia tido pernas para sair do carro e ela já havia fotografo e filmado os três carros. Tomou à dianteira, conversou com um motorista, com outro e com os dois. Foram lá se entender os três até que eu tomasse tento. E até agora eu não tomei juízo do acontecido.
Fiquei como que obnubilada. Lembrei-me de Homero em sua Ilíada, falando que " a Obnubilação é a filha mais velha de Zeus, que a todos obnubila,mortífera! Delicados são seus pés. Pois não é no chão que caminha, mas sobre as cabeças dos homens, prejudicando os seres humanos. Ora a uma ora a outro, ela amarra".
Pois bem eu estava amarrada e trombada.
Dois dias depois e nada resolvido com seguradora e oficina credenciada. Eu ainda lá, sentada, ouvindo o barulho e sentindo a pancada.
E agora?
Na verdade só quero dizer que tudo saiu do lugar. Aquilo, que eu pensava estar sob controle, descontrolou. Meus livros e anotações se desenlaçaram. Minha leituras ganharam o tom da lerdeza e da repetição. Parei.
Minha filha continua nas ligações e nos despachos dos papéis.
Decido escrever. É minha forma de caminhar parada. Assim tento reengendrar meus pensamentos e tomar de volta aquilo que não estava comigo.
Então penso no fato corriqueiro da alienação quando muitas pessoas parecem pactuar com suas esquisitices. Mas aqui não há obnubilação. Tratá-se de outra coisa. Uma escolha. Uma estranha escolha para o sofrimento.
Jamais esqueci do dizer de uma bela mulher. Lá se vão mais de duas décadas. Casada com um amigo. Um dia ela bradou a afirmativa: “ se eu souber que meu marido está me traindo, eu me separo dele”. E ele tinha uma amante ainda mais bela que sua amada esposa. Ela o sabia. Quanto esforço aquela mulher deveria estar fazendo para manter-se em sua palavra. Enganada de si mesma. Alienada no nada. E eles viveram (in)felizes quase para sempre. É só um exemplo. Podemos nos alienar nas formas mais diversas de enganos e escolhas.
Sei que não existe uma fórmula mágica de sair do lugar no qual nos colocamos.
Há que parar, olhar-se, deparar-se com o inusitado, descolar-se e permitir-se outros encontros. Caso contrário a vida deixa de ser vivida. Torná-se mortífera.
Como nos canta nosso poeta " cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".
Mas existem outras tantas saídas deste lugar. Nossos trabalhos, a leitura, a pintura, a música, o vinho, um novo amor e o muito a se inventar no de cada um.
Entretanto nada é sem dor.
21/08/2014
Lindo, tia! Saudades... Um abraço carinhoso da sua sobrinha
ResponderExcluirVocê pode ter parado, mas o carro tá andando? Então, continue a escrever, colega!
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