quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

AO LONGO DA MINHA RUA



                   AO LONGO DA MINHA RUA

  Mudamos para uma cidade grande. Era preciso estudar os filhos. Assim pensaram e assim decidiram meus pais. Saímos de nossa casa na cidade pequena. A nova casa ficava também numa rua nova, próxima às casas de dois dos oito irmãos de meu pai. Todos moravam ali em Conselheiro Lafaiete incluindo a mãe deles, minha avó. 

  Fora uma festa aquela nossa mudança, ainda lembram meus irmãos.Tenho poucas lembranças do caminhão com os móveis e outros utensílios.

  A casa adquirida por nosso pai estava sendo reformada mas tão logo ficara pronta, mudamos para ela. Uma casa pequena para os seis filhos e o sétimo a caminho. Era o mês de abril de mil novecentos e sessenta e três. Tão logo chegamos e os vizinhos chegaram oferecendo ajuda. A acolhida não poderia ter sido melhor. Ainda me lembro do sabor do bolo que D. Joana veio nos trazer com um bule de café. Seus filhos sorrindo e nos convidando para amizades. Os maridos oferecendo para carregar nossos humildes moveis.
Será que mamãe trouxera as galinhas também?

  Para minha alegria aquela rua era da mesma terra vermelha da rua que deixamos na nossa cidade natal. E havia muitos meninos e meninas. Assim fizemos escolhas e travamos amizades. Eu faria sete anos no mês de julho. Não me aceitaram na escola porque eu já sabia ler. Tive que esperar o próximo ano.

  Meu pai havia sido transferido para uma repartição do mesmo trabalho. Ele era funcionário público do estado e era o homem mais educado e gentil que eu já tinha visto. Alto, muito louro e dos olhos azuis. E ainda tinha um nome inglês. Mas minha mãe era a mulher mais inteligente que eu conhecia. Falava pouco e suas palavras eram bem ditas. Vivia com um enorme sorriso no rosto. Mas era muito brava.

  A água naquela rua chegava só de vez em quando. A Força e Luz era a companhia de eletricidade e vivia sem força para acender as luzes dos postes e de nossas casas. Toda a criançada ficava na rua brincando sob os olhares das mães que sentavam em bancos de madeira  conversando até mais tarde da noite. E tudo foi se ajeitando no seu devido tempo.

  Mas eis que se dera um acontecido numa tarde de domingo.Todas as famílias e seus filhos estavam nos passeios e no meio da rua. Eram queimadas, barra-bandeira, pique-esconde, quebra-foice e por aí afora.

  Eis que aparece descendo a rua um tal homem. Num piscar de olhos todas as pessoas desapareceram das brincadeiras. A rua esvaziou e silenciou. 

  E lá vinha ele vestido elegantemente do alto de seus quase dois metros. Naquele momento ele era o dono absoluto daquela rua. Ficava a esbravejar, a gesticular e a xingar até os anjos. Abria aquelas pernas compridas para não cair de tão tonto. Repetia várias vezes : "eu sou o Sô Sobral, moro na Rua Dr Sobral e fumo Continental", ou dizia coisas incompreensíveis. 

  Outras vezes deitava no chão a proteger sua cabeça dos vários aviões bombardeando aquela nossa tão pacata rua. Atirava em alemães ou italianos. Parava defronte alguma casa, olhava firme e denunciava a existência de soldados escondidos dentro dela. Se encontrasse algum portão aberto ele invadia aquela área restrita à procura dos fascistas e nazistas. Urrava aos santos e demônios. Metia medo e pavor em todos nós. Descia mais um pouco, parava defronte outra casa e lá vinha ele com seu discurso aterrorizador novamente à procura de mais soldados inimigos. 

  Então ficamos conhecendo aquele veterano de guerra, um expedicionário do exército brasileiro. Contaram que ele morava numa chácara que ficava no final da ribanceira da rua. Era um excelente marido, pai de família e trabalhador. Ainda tinha a história de um antepassado seu que morara por ali e que fora homenageado dando nome à minha rua ou seja, Rua Márcio Sobral. Contavam que ele, aquele nosso vizinho do final da rua, fora lutar no tal Monte Castelo, na Itália, na segunda guerra mundial e que dera vitória aos aliados.

  E o resto da semana era só o coração disparado com a lembrança do Sô Sobral.
  
  Aprendemos naquele dia que, apontasse ele na nossa rua, eram janelas, portas e portões fechados, senão ele entraria caçando os temíveis soldados inimigos.

  E eu confesso que morria de medo daquele valente soldado.

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