quarta-feira, 1 de abril de 2015

AVESSOS



                              
                      AVESSOS


   Fulgêncio sempre fora um homem comum. Nascido em terras distantes viera ainda menino para a cidade grande. Guardara nos modos de ser a diversidade e a dureza do Vale. Apenas era  assim, sem jamais se perguntar acerca de seus contrastes. O pai, um homem para além de seu tempo arriscou com a mulher e os nove filhos uma nova vida na capital. Veio por amor à família. Queria estudar os filhos. Não que sentisse vergonha de seu trabalho na lavoura. Gostava de ver a terra sendo preparada para mais um plantio de mandioca, milho, feijão, e tudo que fosse nascido naquele torrão seco do Jequitinhonha. Mas os tempos eram outros e as secas esticavam seu período.

   Então juntou tudo que tinha e o que não tinha  e desceu os caminhos até a cidade grande. Não aperreou com as imensas dificuldades dos primeiros anos. Os filhos mais velhos logo se arranjaram em pequenos empregos que não exigiam grandes qualificações. Nem as filhas mulheres foram poupadas de trabalhar. O pai tinha preceitos de honestidade. Os saberes eram poucos mas muitos eram os ensinamentos de educação, gentileza, respeito e a verdade, sempre. Às vezes fazia até doer de tanto que exigia de seus filhos. Dizia que aquele era seu jeito de amar sua família. 

 Jamais trabalhara na construção civil mas fora nela que encontrara trabalho. E trabalhou duro sem queixar.

  Os filhos viraram homens e mulheres de bem. A esposa a tristeza e a saudade da terra a levou, disseram alguns. Ao marido  coube o choro calado e o trabalho dobrado. Envelheceu rápido demais. Seguiu caminho da mulher. Não suportou a solidão. Na simples casa comprada a prestações e muito suor ficaram apenas a filha mais nova e Fulgêncio. Os outros deram destino de casamento em suas vidas. 

  E Fulgêncio não arredou pé daquela irmã tão doce e companheira. Decidiu não casar embora se tornasse um moço muito afeiçoado. E bom trabalhador. A irmã sempre calada e calada permaneceu. Tinha lá seu amor, às escondidas do seu protetor.

  Os anos passaram na vida dos dois. Vieram muitos sobrinhos, muitas alegrias e muitas tristezas. E Fulgêncio arrumou uma companheira, também às escondidas da sua protegida. Então decidira que deveria ter sua própria casa para receber a escolhida. Cresceu no trabalho e ganhou promoções. Teve que voltar a estudar e ganhou outras vantagens no trabalho. A irmã dera de fazer artes e de tudo faziam suas mãos abençoadas. Continuava aquele amor dividido.

  Porém, no avançado de seu tempo, apaixonou como moço ainda. E desejou  outra mulher. Havia passado por alguns dissabores no trabalho. O amor antigo esfriou. Mas não tinha jeito de acabar com aquilo que restou. Já beirando os cinquenta anos tornou-se diabético e hipertenso. Sua rotina de vida há tantos anos construída teve que ser toda refeita. Perdera o sono. Chorou sozinho algumas vezes. Antecipava o que estaria  por vir de sua doença. Isolou em sua casa tão bem planejada para seus rituais de bom obsessivo. Emudeceu.

  A irmã notou o sumiço. Procurou por ele. Assustou ao vê-lo emagrecido e melancólico. Trocaram poucas palavras. Ela aconselhou que procurasse ajuda. Seu orgulho masculino desconsiderou o apelo. Entretanto decidira ligar para aquela por quem se apaixonara no recente de sua vida. Um convite fora feito. 

  No dia combinado lá se fora ele com muito peso nas costas. Parecia carregar  todos os pecados do mundo. 

  Apesar da juventude já distante, Bárbara ainda trazia traços de beleza e se mostrava uma elegante mulher. Estava bem vestida. E sua alegria contagiou Fulgêncio. Ele conseguiu esboçar alguns sorrisos e sentiu-se a vontade perto daquela mulher. Combinaram outros encontros.

 Um dia excederam nos afetos e acabaram num motel. Estavam desejosos do ato. Não se envergonharam  com o rumo que o encontro tomara. As brincadeiras e os  jogos eróticos quebrariam qualquer inibição que por ventura pudesse existir.

  Mas, no inesperado daquela hora de euforia, sua virilidade falhou. E ele se desconcertou. 

  Ela acudiu com sua feminilidade e seu bom humor. Haveria de ter outros encontros. Ela sabia que ele estava apaixonado por ela. Esperaria com paciência. 

  Ele não ligou. Nem atendeu as ligações dela. Ela entendeu que a impotência dele era bem outra.

 Fulgêncio afundou no seu trabalho e retomou seu  antigo relacionamento.


 04/03/2015


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