quinta-feira, 23 de abril de 2015
UMA NOITE
UMA NOITE
A manhã do início de outono estava amena, não fria. João Bosco acordou mais cedo do que pretendia e uma vontade de caminhar tomou conta de si. Levantou e olhou a nova companheira dormindo ao lado na cama. Foi até a cozinha. Preparou seu chá de erva cidreira com limão que sempre deixava por perto. Pegou um pão com manteiga e o esquentou na frigideira, mania da época de estudante. E saiu a explorar os novos lugares por onde poderia caminhar.
A decisão de mudar-se para Ipatinga viera junto com a aposentadoria. Queria uma cidade para as bandas do leste mineiro, com boas qualidades de vida e muito verde. Os indicadores sociais, a legislação ambiental, as tais áreas verdes e a localização geográfica, foram relevantes na decisão. A esposa gostou, curtiu e compartilhou a mudança de vida. Logo partiram para as atitudes.
Sempre guardara nas lembranças as saudades das águas do Rio Doce cujas nascentes ficavam ali na Serra da Mantiqueira. E ali também ficava a pequena cidade onde nascera.
Havia feito uma viagem de trem, há algum tempo, à casa de um antigo amigo e apaixonou por aquela cidade.
Decidiram inicialmente alugar um apartamento até conhecerem bem os bairros e, a seguir, comprariam uma casa. Entretanto, na cabeça de João Bosco, a escolha já havia sido feita, ele queria morar próximo de uma grande concentração de árvores, onde pudesse fazer suas caminhadas, fazer suas compras do dia a dia e prescindir do seu carro. Usaria o transporte coletivo. E assim o fez.
Nesta manhã em sua nova casa estava apaziguado com sua certeza. Acabara de se aposentar após mais de trinta e cinco anos dedicados a construção civil que lhe tomava tempo e lhe trazia muitas preocupações.
Tivera um casamento ainda no fulgor da juventude. Nunca negara que fora feliz. Vieram dois filhos muito amados e muito bem educados por ele e sua esposa. Hoje os meninos moram em países diferentes e ainda continuam seus estudos. Um deles em mestrado de marketing e outro em especialização na área de engenharia mecânica.
O casal vivera junto por quase vinte anos, mas o amor esfriou tanto para um quanto para outro e uma separação fora inevitável assim como inevitáveis foram as discussões e os ressentimentos.
João Bosco voltou a estudar, fez curso avançado em inglês e viajou para ver os filhos. Seu coração se ocupara das limpezas dos anos acumulados no trabalho, como dizia ele nessa época.
Entretanto um olhar diferente lhe aparecera na confusão das esperas de uma viagem internacional. Conhecera Virgínia, uma jovem mulher que acabara de concluir seu curso em Biologia e procurava empregos na área ambiental, sua formação. Telefonemas, muitas mensagens e a relação caminhou mais rápido do que desejava ele. Mais um casamento na sua vida.
Combinavam em tudo. Ele nas arrumações da casa e ela nas conquistas de um novo emprego. A proposta para Ipatinga era tudo que ela queria pois já havia pesquisado acerca da cidade que oferecia um campo ainda a ser explorado e trabalhado. Estavam ainda em lua de mel e nada os desencorajava. A mudança fizera bem aos dois, eles sentiam que ali iniciava uma nova etapa para ambos.
Após tomar seu chá com limão naquela manhã, João Bosco foi em direção à sua caminhada que sempre fizera, quase que diariamente. Com ele apenas os pensamentos sob seu controle. O Ipatingão estava logo ali e ele caminhou em torno dele. Atravessou a avenida e entrou no parque Ipanema, um complexo de lazer projetado pelo paisagista Burle Marx com pista para caminhada e para corrida, lago com ilha, cata-ventos, brinquedos, anfiteatro, e quadras poliesportivas. Já conhecera vários lugares da cidade. Sua esposa era uma grande estudiosa do Jequitibá-rosa, a espécie da árvore mais antiga do Brasil e que, naquele parque, ainda havia algumas dessas raridades.
Mas fora o perfume de um manacá que lhe tirara os pensamentos do rumo. Então viera a recordação daquela noite. Era o baile de sua formatura. Aproveitara cada minuto daquela noite com seus amigos e familiares. Contudo uma colega lhe chamara atenção. Maria Rita. Entraram juntos na faculdade e nunca tivera olhos para ela. Era uma colega como outra qualquer. Lembrou de seu talento com as disciplinas de cálculo. Lembrou que ela sempre ajudara os colegas e até mesmo passava colas nas provas mais difíceis da engenharia. Mas era só uma colega. Parecia que a moça era muito inibida. Vivia com o olhar abaixado ou sorria suavemente. Nunca a vira com namorados. Não era bonita.
Porém naquela noite João Bosco viu algo diferente na sua colega. Ela estava magnífica. Usava um vestido preto de tecido fino com um brilho fosco. E uma frente única contornava o pescoço. Todo seu dorso estava nu. A saia era rodada e descia até os joelhos. Havia um cinto do mesmo tecido com paetês dourados que acentuavam a cintura bem definida. Maria Rita bailava levemente no salão.
João Bosco brincava, sorria e não conseguia desviar seu olhos daquela moça tão linda naquela noite.
Já pela madrugada ele tomara coragem e se aproximara dela. Fizera o convite para que saíssem juntos da festa e caminhassem de volta até o centro da cidade percorrendo a estrada. Ela sorriu e o acompanhou. A euforia dominava os dois. Na avenida entraram num hotel e pediram um quarto. E fizeram amor na manhã daquele baile deixado para trás.
Ainda na paixão daquele encontro, Maria Rita lhe beija o rosto e ao pé do ouvido lhe diz em segredo :
-" Eu te amei desde o primeiro dia que te vi na sala de aula. Valeu a pena esperar cinco anos"
Eles se abraçaram demoradamente. Depois ficaram em silêncio.
A seguir levantaram e cada um seguiu seu caminho. Nunca mais se viram...
João Bosco se emocionou com a lembrança. Continuou sua caminhada. Sorriu sozinho algumas vezes. Colocou seus pensamentos de volta ao rumo e voltou para casa.
15/04/2015
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