Acordei cedo e com muita vontade de escrever, de falar, de receber amigos, de cozinhar e por ai afora.
Após minha única xícara de um café forte, com adoçantes, com bons pedaços de bolos e queijo, fui cuidar dos cachorros, das galinhas e dos inúmeros e variados passarinhos que vem beliscar os grãos que coloco para eles na nova casinha de madeira pintada de vermelho.
Limpo a minha casa um pouco, sento e escrevo. Nunca gostei de varrer. Acho que voarei com uma vassoura a qualquer hora.
Não sou uma boa dona de casa, nunca fui, gosto mesmo é
dos livros e dos filhos.
Ontem fui ao supermercado para fazer as compras do almoço de hoje, prometido aos meus filhos e a um casal mais que amigos. Aproveitei o entusiasmo e decidi fazer uma galinhada com a galinha caipira congelada que o Neguinho matou por brincadeira ou luta por invasão de território. Convidei minhas amigas do buraco e seus maridos para virem saborear comigo aquela infeliz coitada da galinha depenada, afogada e refogada no meio do arroz. Obviamente que minha querida amiga e vizinha viera me ajudar.
Então decidi adiantar minha preparação daquilo tudo que eu pretendia para o almoço do dia seguinte. O cardápio fora escolhido por uma das filhas que viria mas trocou meu almoço pelo aniversário da grande amiga. Acho que ela, lá no íntimo dela, sempre soube que só sei fazer tais pratos.
Assim que cheguei à tarde, após as compras para o referido lombo com abacaxi, farofa, feijão, arroz e batatas fritas, fui para a pia, lugar certo para iniciar aquele trabalho de chef de cozinha. Encontro copos sujos e os lavo. Mas o escorredor está com pratos e vou guardá-los. No armário encontro vasilhas fora do lugar. Começo a arrumação da minha linda cristaleira. Potes vazios e velhos que excluo levando-os para o lixo seco. No caminho encontro uma vassoura, pego-a e a levo para a área de serviço. Ali vejo minhas plantas florindo.
Paro e as contemplo. Lembro das minhas orquídeas e me dirijo até elas. Então meu olhar é chamado a ver a algazarra dos pássaros por toda a grama e pelas árvores por perto. Vejo que deveria trazer para debaixo da garagem e pendurar num dos caibros uma outra casinha menor com canjiquinha para os canários. Minha ajudante voluntária percebe minha dificuldade e embaraço e logo traz uma cadeira para fazer aquele serviço por mim. Desce e volta correndo para sua panela.
- " O alho queimou todo !!!!" ( Era ela a rir diante da panela onde fritaria minha galinha.)
- "Olha, você enquanto dona de casa e cozinheira dá uma ótima escritora..."
Continuou ela com gargalhadas a debochar da minha total falta de jeito com a casa, com a galinhada, com os cachorros e com tudo enfim.
Não é nenhuma novidade para mim. Quando me proponho a fazer um almoço, arrumar casa ou outro serviço doméstico qualquer, ando o dia todo de um lado para outro até ficar exausta e desistir. Ainda bem que eu adoro feijão com arroz e ovo frito.
A galinhada ficou deliciosa e todos riram e brincaram comigo e com meus desastres naquela bela cozinha. Fui dormir vitoriosa e cansada.
Levanto às oito horas da manhã preocupada com o tal almoço que eu deveria começar logo. Mas por onde eu começo esta tarefa tão especial? Nem imagino... Comecei então por descrevê-la. Talvez assim as palavras me ajudam com as panelas. Minha vizinha, aquela debochada, chegou na cerca e perguntou:
-“Tá precisando de ajuda ai?”
Quase gritei SOCORRO, mas o marido viera passar o final de semana em casa e devo poupa-la das minhas ajudas.
Ai meu Deus! Daqui a pouco os convidados chegam e eu sentada defronte a este escrevinhador!
Meu pai é o culpado. Quem sabe minha mãe. Ou meus ex-maridos...
Só sei que me perco entre panelas, canecos, copos, pratos, cadeiras, toalhas, passarinhos e meus olhos ficam viajando daqui para acolá e de lá para cá.
Na minha juventude cismei que era uma excelente cozinheira e fiz muita bobagem. Coitados dos meus irmãos e das minhas amigas...
Uma vez lá ia eu fazer um sonho. Criticava aqueles que minha mãe fazia. Também vê lá se isto é coisa de se fazer. Sonho é para sonhar...
Meu pai ao lado dando palpites e eu recusando escuta-lo. Fritei com arte aqueles bolinhos da minha infância. Meu pai esperou calmamente e pegou um deles. Pegou outro e mais outro.
-"Minha filha; seus bolinhos estão mais duros que tijolos."
Jogou alguns no chão e começou a brincar de bolinhas de gude com meus tão desejados sonhos.
Vinte anos depois uma querida empregada doméstica, babá e amiga, fritou deliciosos sonhos na minha casa. Uma das minhas filhas apaixonou por eles até que um dia resolveu fazê-los num final de semana.
Antes que minha história dos bolinhos de gude se repetisse com minha filha adolescente, pedi que aguardasse até a próxima semana.
Minha grande moça da cozinha e das crianças me ensinou a arte daqueles bolinhos da minha mãe que por aqui se chamam bolinhos de chuva. Hoje sou “especialista” nesses tais bolinhos de sonhos, os mais variados. Obviamente continuo preferindo aqueles sonhos que me acontecem enquanto durmo.
Quase nove horas da manhã. Nem escolhi o feijão. A panela de pressão nem tá pegando a danada da pressão. O lombo suíno no tempero desde ontem deveria ir para o forno. Mas a que horas ? Daqui a pouco chega meu filho e minha nora. Soube que ela adora bolo de laranja e lhe fiz um muito lindo de se ver. Só que esqueci de colocar o óleo que lhe deixaria mais macio e mais saboroso. E agora?
Eu fico aqui ouvindo esse som do silêncio deste lugar com suas brumas e seus ventos de outono.
Acho que vou começar meu almoço. Ou quem sabe eu peça ajuda a minha vizinha. E a coitada amanheceu com cólica renal.
Então vou começar por guardar as louças e panelas da galinhada de ontem. E caminhei até o escorredor na pia...e comecei tudo de novo.
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