sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Crônica: Outra tragédia anunciada



                      (*)

Há cerca de quinze anos optei por morar num povoado encantador às margens da rodovia que liga a cidade de Betim (grande BH) à cidade de Brumadinho, onde trabalhava naquela época. Ali comprei uma pequena chácara e comecei a conviver com seus moradores. Mais tarde construí um chalé onde vivo hoje dividindo com a cidade de Conselheiro Lafaiete para onde me mudei logo após minha aposentadoria.

Exatamente hoje, quando esperava meus filhos para um almoço, chegou a notícia do rompimento de mais uma barragem de rejeitos da VALE. Talvez, como defesa dos efeitos da tragédia, fui brincar com meu netinho de três anos. Era necessário viver. Logo meu filho quis saber onde estava a irmã que também era esperada para o almoço. Ainda estava dentro de um ônibus vindo de Belo Horizonte. Não conseguiu chegar. As estradas já haviam sido isoladas.

Telefono para uma amiga-vizinha que, já chorando, me informa o desaparecimento de uma grande amiga que estava trabalhando na tal Mina do Feijão, bem perto daqui. A outra vizinha também chega chorando informando que o marido fora a Brumadinho e já não havia como voltar. O sobrinho trabalha na VALE e não tem notícias dele. 

Meu filho, muito ansioso, entra no carro e desce até a rodovia para tentar mais informações. Tudo isolado. A cidade de Mário Campos, onde moro, entre Betim e Brumadinho, cresceu às margens do Rio Paraopeba e da rede ferroviária. Pois bem, de um lado toda a cidade está bem próxima do Rio Paraopeba, do outo lado a cidade sobe pelas montanhas onde se localizam várias minas de minério.

Todos foram embora bem rápido uma vez que chegada a lama, não haverá saída da cidade. Minha filha, ainda no caminho, foi levada por uma amiga para Betim.
Eu fiquei. Talvez ficarei sem água e sem luz. 

Estou aqui pensando entre tantas vítimas o acampamento Pátria Livre" dos sem terras" com mais de cinco mil pessoas bem próximo daqui, às margens do Paraopeba. Estou aqui pensando nos moradores da ex-colônia de hanseníase, Casa de Saúde Santa Isabel, em Betim, neste final de semana  no Concerto Contra o Preconceito, tão bem preparado e aguardado pela comunidade. Toda a área se localiza numa belíssima região às margens do Rio Paraopeba.

Estou aqui com o peito apertado. Morre hoje o maior afluente da margem direita do Rio São Francisco. Força Velho Chico! Aguente mais esta, por favor. E o Rio da Integração nacional vai enlamear todos seus estados. Baianos, pernambucanos, alagoanos e sergipanos, desculpem a ganância trazida pelo solo das minas gerais. O sertão vai virar um mar de lama contrariando a canção.

Ainda não consegui ver as imagens da tragédia pela TV. Meu coração pode não aguentar. Ficarei aqui até a dor passar. Até quando?

(*) Foto de minha autoria do belo entardecer da região.


PS.:"Lindo texto e pode acrescentar a Aldeia Pataxó Hâ Hâ Hãe Naô Xohã no Funil de Bicas, do outro lado do Funil de Mário Campos.
Rio já era assoreado e agora tomado pela contaminação.
Peixes morreram." (Enviado por um amigo da região.)

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