terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A missa, a menina e a coroa de Cristo



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Na época do acontecido fato a ser ainda relatado o pai sempre acompanhava a mãe e os filhos, que eram sete, aos compromissos familiares. A quinta filha, uma menina sardenta de óculos verde fundo de garrafa e muito dengosa, não gostava das tais obrigações religiosas. Ia contra sua vontade. Tinha medo de entristecer ou enfurecer sua mãe caso recusasse prestigiar as santas missas. Até tentava uma fuga, uma dor de cabeça, deveres para fazer. Mas nada disso adiantava. Durante toda a semana a mãe vinha cantando a ida à missa. 

Entretanto havia algumas diversões que compensavam o sacrifício de ficar de pé por mais de uma hora escutando a língua enrolada do padre. O pai dizia que, às vezes, as orações eram faladas em latim, uma língua que já não era mais falada em lugar algum do mundo. A menina ficava a ver todas aquela figuras de santos e anjos nos vários altares da igreja. Até gostava do colorido das pinturas. Diziam que foram pintadas em ouro puro e feitas por grandes mestres. Da época do Aleijadinho, o famoso escultor dos profetas de Congonhas onde o pai os levava todo ano no Jubileu do Bom Jesus do Matozinhos.

Voltemos para os tons rosa e azul bebê dos rococós daquela igreja onde a menina ia às missas com seus pais. Enquanto a mãe, piedosa e silenciosa, ficava tomada pelas leituras e sacramentos da tão distinta cerimônia o pai ficava de pé com o ombro esquerdo e a cabeça encostados na parede que media quase um metro de espessura. Dali ele não via o padre nem o belo e central altar do corpo principal daquela igreja tão famosa. Mas dali ele fazia os mais divertidos comentários de tudo que lhe passava pelo olhar. "Aquela moça esqueceu um pedaço do vestido em casa" quando aparecia uma mulher com um decote mais ousado.

Ou "Será que faltou pano para aquela saia?" para uma moça que usasse mini saia. " Se embaixo o comprimento está subindo e o decote está descendo, quero estar vivo para ver quando eles se encontrarem no umbigo!" 

Ou: "No cabelo daquele homem tem tanta brilhantina que tá parecendo escorregador de piolhos". 

Era ele a brincar com todos.

Mas, quando aparecia a moça da promessa, a menina se horrorizava. Uma tal moça prometera jamais cortar e ou lavar seus cabelos. E estes eram nojentos. Nasciam amarelados, enrolados e um pouco mas livres no alto da cabeça para logo se juntarem num emaranhado que descia pela nuca  e pelas costas como se fosse um bicho. Aquilo até tirava o sono da menina. O que teria acontecido com a moça para que ela fizesse uma promessa dessa? A menina ficava vendo o andar da moça com todo seu cabelo grudado num só bloco que nem mexia. Um horror! 

Também havia as furtivas brincadeiras no adro da igreja com as amigas. Pique-cola. E foi correndo e ficando colada até vir um salvador que a menina caiu de costas num daqueles grandes canteiros no entorno da igreja.

Muito importante que se atentem a um só detalhe: para evitar que pisassem ou estragassem as flores, todos os canteiros eram repletos daquela planta espinhenta, do leite branco grudento e das florzinhas vermelhas. A coroa de Cristo. Pois bem, nossa menina caiu de costas sobre todos aqueles espinhos pretos, pontudos e agarrados nos caules. Foi um Deus nos acuda desgarrá-la de tantos espinhos. Acabou-se a missa. Foram todos embora. 

Em casa, enquanto a mãe blasfemava e retirava todos os danados espetados na filha, a menina chorava e o pai ria contando os espinhos tirados dos braços, das penas e das nádegas da filha. 

Certamente que ela jamais esqueceu o acidente. E até hoje ela ri muito quando lembra desta história. Só não quer lembras das dores nem da vergonha da bunda toda espinhada.

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