sábado, 30 de agosto de 2014

ChicoAdriano - "O PETETÊ"



Há alguns dias venho me lembrando do ChicoAdriano. Escrevi sobre ele um tempo atrás e a escrita se perdeu nestes novos arquivos virtuais.

-“Esta é a Pititeza da Maria do Carmo, filha do Sô Antônio e da Marianinha, sobrinha do Padre Joãozinho...” 
  
Era assim que me respondia quando lhe perguntava quem era eu. Fazia a mesma pergunta toda vez que o via, pelo simples prazer de ouvi-lo dar a resposta. Ou para ver se ele ainda se lembrava de mim. 
  
Ele também gostava da brincadeira e sorria ao dar a resposta certa.

Toda meninada gostava dele, embora algumas mães aproveitavam de sua figura bizarra para amedrontar filhos desobedientes. Mas ele era só doçura. Corriam em sua direção quando o viam aparecer na praça.
  
-"Lá vem o Petetê". 

Era assim que o chamavam.
    
Era sempre uma festa sua aparição nas ruas.
  
Ele parecia um homem-menino. Ou era um menino-homem?
   
A criançada pedia que ele falasse seus nomes e ele, prazerosamente, repetia aquela ladainha de Zezinhos, Joãozinhos, Mariazinhas, filhos de Fulano, netos de Ciclanos e por ai afora.     
  
Ele não errava nunca. Fora capaz de nos reconhecer mesmo com o passar dos anos.
  
Sempre se entusiasmava em dizer nossos nomes na ponta da língua. Às vezes fazia fita, demorava um pouco, como se houvesse esquecido, para logo a seguir nos recitar nossos nomes. E ele também se alegrava de nos ver ali, atentos, ao lado dele.
  
Não sabia quem ele era e o que aconteceu na vida dele. Só sabia que ChicoAdriano vivia perambulando pela região. Sempre sozinho, carregando seu corpo miúdo e um saco nas costas. Não era um anão, embora tivesse uma estatura muito baixa. Usava uma calça arregaçada até o meio das pernas, um velho cinto ou algum cordão qualquer, uma camisa de mangas compridas com botões, pés descalços, cabelos despenteados e esbranquiçados. E um belo sorriso no rosto.
  
Nesta época eu já morava em outra cidade, mas ia com meus irmãos passar as férias naquela que era minha terra natal. Adorava vê-lo chegar à casa do meu tio, onde eu sempre ficava aos cuidados da minha avó e da minha tia.
  
Ele chegava silencioso e chamava por Dona Vivi. Pedia licença, subia as escadas de madeira e caminhava em direção à cozinha.Tinha um andar pendular e leve. Então tirava o pesado e misterioso saco das costas e ajeitava-o no mesmo canto de tantas outras vezes. Esperava o café. 
  
Porém, de tempos em tempos, ele cismava com as pessoas. Dizia que estavam envenenando sua comida. Por isto, só aceitava o de comer naquela casa. Ali morava o “Padre Santo” como repetia nosso pequenino cidadão. Pedia apenas o líquido do café. Tirava uma enorme lata de seu tesouro. Pegava um ovo dos seus escondidos e o bebia cru, afinal não haveria modo de enfiar veneno nele. Ficava mais alguns minutos. Despedia. Pedia a benção e lá ia ele para seu mundo.
  
Muitos anos mais tarde ficaria sabendo onde e com quem ele vivia. Por uma feliz coincidência do destino, minha irmã tornaria sua vizinha e, com o jeito altruísta dela, ajudaria a cuidar dele no final da sua vida.
  
Mas nosso herói ainda está bem vivo, esperto e mantendo seus passos da casa paroquial ao jardim e dali por vários lugares da redondeza.   
  
Às vezes, quando íamos à fazenda de outro tio, o encontrávamos por aquelas bandas.
  
Na verdade, ele tinha outras esquisitices.    
  
Antes do sol nascer, quando os galos começavam a cantar, ChicoAdriano caminhava  naquela estrada. Ia se fartar de água. Havia um veio d'água que descia pelo barranco e corria em direção ao rio, do outro lado da estrada, bem perto dali. Ele improvisava uma bica com pedaços de bambus ou folhas.

Primeiro ele benzia a sua água. Rezava várias orações, fazia repetidos nomes-do pai. Então lavava seu rosto. Jogava água em sua cabeça. Voltava a rezar, fazia genuflexões. E tantos outros rituais como aqueles das missas e suas consagrações. Agora sua água estava benta. Só então ele bebia dela. A seguir ele enchia algumas garrafas daquele líquido santo, ajeitava tudo naquele saco e rumava de volta para um seu lugar na cidade.

Na rua ele benzia e jogava sua água benta em quem assim o pedisse.
  
Do outro lado daquele barranco por onde descia a água, havia uma majestosa árvore de pau d’alho. 

Depois do meio dia, ela sombreava toda a largura daquela estrada. E esse trecho era conhecido como Pau D’Alho. Eu pensava que era pau Dário. Ainda hoje, quando caminho por ali, vejo ChicoAdriano e seus mistérios.
  
E ChicoAdriano sempre repetia aquele percurso no final da tarde, voltando à cidade quase ao anoitecer.
  
Houve uma época que ele endoideceu. Ou será que só piorou. Apaixonou por uma parenta minha que morava na praça principal. Foi um Deus nos acuda.
  
O Padre deu conselhos, esbravejou, mas de nada adiantou. Ele dizia que ela era sua namorada. Queria vê-la a qualquer custo.        

Andava o dia todo procurando por ela. Falava em noivado e casamento. O nome dela não saia de sua boca. Começou a vigiá-la. Passava as noites na praça esperando que ela saísse de seu castelo. Mas a princesa ficou aprisionada pelo amor declarado. 

Os pais da amda acharam por bem tirá-la da casa na praça e leva-la para a roça. E assim o fizeram.
  
ChicoAdriano enlouqueceu de vez. Procurava seu amor por toda a cidade. Haviam roubado sua noiva, ele delirava. Chegou a dizer que haviam matado sua escolhida.

ChicoAdriano então não voltou à casa do Padre, seu protetor. Esqueceu o café. Alguns disseram que ele deixou até de beber os ovos. Amiudou suas vindas por ali. Até não ser mais visto nas ruas. O povo não se incomodou pela sua desaparição. Ninguém deu por falta dele. Fora esquecido.
  
Mas eis que, passados alguns dias, espalhou-se a noticia. Nosso louco amante estava morando dentro do cemitério, ao lado de um túmulo onde, diariamente, ele jogava sua água benta e colocava flores.

  
O Padre fora chamado. O delegado fora chamado. O coveiro fora chamado. Não conseguiram demover dele suas certezas.
  
Ao ser indagado sobre o que fazia ali, respondera que haviam matado sua noiva e que ele ficaria ali para cuidar dela, pois ele e sua amada iriam se casar no céu e haveria de ter uma grande festa por lá...


11/03/2014

4 comentários:

  1. Zarinha ,muito lindo o seu conto.Olha vou relatar o conteceu na minha casa da minha mãe, alí onde é CM.Tiamos dado um almoço servido na mesa e as louças estavam todas debruçadas nela.De repente o Petete chega como sempre e pediu seu café,e quando foi embora vai colocar o saco nas costa e leva uma ponta da tolha, e desce toda louça no chão.Ele ficou desesperado e e disse que era o Zé Patocino,do qual ele gostava e ninguém não sabia o porquê..Mas na outra semana ele voltou e não comentou. o assunto.Desculpa os erros não só escritora e péssima de português abraço

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  2. Oi amiga ! Pelo que eu lembro vc contou estes fatos do jeito que ele era mesmo . Nós ainda crianças pedíamos para que ele jogasse água benta sobre nós aí ele passava a água várias vezes de uma lata pra outra molhava a mão e aspergia sobre nós . Água esta que ele pegava na mina do pau d'alho . Parabéns pra vc sempre . Adorei a história verídica . Verdadeira .

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  3. Adoro seus contos,Zarinha! Me remetem aos fatos de minha infância.Também tínhamos no nosso vilarejo ,o Tião Doido.Morríamos de medo dele.Era um coitado,inofensivo... Sinto saudades! Tempo bom não volta mais.

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